O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

sábado, 31 de dezembro de 2011

Die Zukunft liegt vor uns

Conjugam-se a partir de então verbos de novo ciclo, de novas datas, de novos planos, de novidades e de concretizações. Sempre as portas se fecham para que adentremos novos espaços, e é certo que quando algo já se esvazia, é prova de que lá na frente vem outro copo cheio para brindarmos aos sonhos frescos. Grata demais por tudo o que passei, satisfeita por ter firmado os pés nas minhas convicções e por ter sorrido em cada segundo de aula-da-vida. Tô mais 'grandinha'..., e cada um de nós, e é disso que temos que lembrar na despedida de um ano já concluído. Feliiiizz ano novo!!

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"Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver."

[Carlos Drummond em: O amor natural]

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

drei, zwei, eins, los


Um braço aberto em cada hemisfério, cada pé firmando terreno vasto - malas prontas desde antes de nascer, restando só engolir a saliva e o fôlego, mas esses tanto se demoram quanto a minha história encerrada. As palavras buscando predicado em locuções adjetivas, verbais, prepositivas, e por aí vai - 3, 2, 1, los, tá na hora de virar a esquina de mais uma coisinha ali, was kann ich tun?

Muito amarguinho doce pro meu paladar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

demasiado humano

Com Parmênides e Heráclito metaforizo em rio meu percurso desse ano, agradeço ao Chefinho pelas grandes braçadas até a margem, socializo satisfações perante os frutos colhidos na beira da vida e brindo ao vinho das uvas, pois plantei-as e delas desfrutei na hora certa. Here I go again, mais um ano como esse e eu viro #likeaboss, afinal quem não ama colecionar aprendizado dentro das próprias decisões? O Chefe foi muito generoso comigo, adivinhou todas as minhas vontades. Tudo nos é dado na hora certa, e quem disso ainda duvida?

Para a curiosidade que aqui e ali planta radar, feliz ano novo também! Que ao invés do tempo gasto ao vir - ainda - aqui e acolá você também aprenda um pouco dentro da sua vida, tendo certeza que nela há muita coisa passando para que isso aqui não tenha importância, pelo menos pra você, dica. Que você filtre esses sentimentos encardidos aí para só utilizar a parte boa, todo esse azedume nunca lhe levará a lugar algum. Sorria! Uma coisa mamãe me ensinou - estando feliz eu compartilho, não faço questão de dividir com ninguém. Alegria a gente doa, tristeza divide e subtrai, saudade a gente guarda. E tudo no seu lugar para o recomeço das árvores, logo mais é outono e aparecem as novidades!


aaaahhh...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

hotinthecitytonight

Falta fôlego pra tudo novo.
É muita lua pra pouco ar.
Puleiro de passarinhos de tonalidade fúcsia
Arritmia.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

PAREM.

Peço licença para sair das margens, mas preciso falar. Mais clara do que serei, impossível. Chegarei ao limite da imbecilidade do querido diário, mas não vejo outra maneira, se meu silêncio é confuso. Por quê as pessoas pensam que eu sofri e sofro por decidir me separar?

Ao povo senso comum e machista, trago-lhe páginas de realismo - fiquei mais tranquila do que era, pra entender? Como toda pessoa de bem, tomei decisões que me cabiam para ser feliz, nada mais natural. Eu decido pela minha vida quando bem entender, de acordo com aquilo que é melhor pra mim. E é importantíssimo quando fazemos da maneira correta. ...E agradeço muito pelo que conquisto através disso. BLÉ bem grande para quem ACHA que sabe de mim. Me afastei das amizades doentias, das marionetes de duas faces, dos relacionamentos sufocantes, dos narcisismos que me ocultavam. 

Meu Deus, não passa pela cabeça de NINGUÉM que o que vivo hoje é o que eu precisava e pedia??? Se as coisas acontecem por caminhos tortos, mesmo que doam, bem vindo é o amadurecimento em cima disso, responsável sempre por felicidade, e não sofrimento. EU que tenho que estar sofrendo? Por favor,  não subestimem a própria inteligência e não desejem isso a mim, porque não existe! Ridículo eu ter que me expor dessa maneira para que me conheçam. Bando de idiota...

Tapinha no ombro e cabeça inclinada seguidos de "ow, você tá bem?" - enfiem nos seus cus, porque vocês estão se comportando como idiotas, prevendo a vida dos outros com suas demências novelísticas. O previsível existe, mas existem as exceções de toda regra. Seus tetos de vidro - quiçá de acrílico - precisam de polimento, dica. Os maridinhos e seus casos, as mulherzinhas e suas vidas de fachada, as solteirinhas olhudas, os pseudo-héteros que cultivam cupins nos devidos armários. Seus umbigos estão sujos, olhem para eles e assim todo o resto também ficará mais limpo...


Algumas pessoas não admitem que a outra seja feliz, elas simplesmente não querem isso. É o rancor que ingere-se como veneno, sabendo que esse mata  a si, e não a mim. Alguém tem que sofrer, tem que ter a grama apodrecida, menos verde que as suas, tem que doer, e muito... né? Tem mesmo? - não não não, garota, nem pense em ser plena, em sorrir, e por aí vai. Se você constrói asas e quer sair da gaiola, dão-lhe logo sonhos de cera, como a distorção do sonho de Ícaro. "ela não sorri, ela sofre. ela está fingindo." - disse a corna na janela de seu apartamento. Os outros não querem. É super previsível. Os outros, o inferno desses outros, o inferno propriamente que são. Os outros. Os outros. No ** dos outros, nunca: sempre. Segundo os outros, esses que jamais terão inteligência suficiente, visto que não usam o cérebro, "todos os relacionamentos devem terminar de forma dolorosa e inimigável, com recheio de traições e baixarias". Lamento dizer, mas nosso caso foi bem mais simples: muito carinho, mas pouco equilíbrio. Ser sombra de alguém nunca fará bem a ninguém. 

Vocês não me conhecem.

(Amigos que amo e família linda - ignorem isso, porque vocês podem tudo.)


domingo, 4 de dezembro de 2011

In dem die Zeiten sich bespiegeln

...Tem sabor de muitas coisas...
e cheiro de mais um pouco
cor de quase-dia
vontade de não passar tão cedo...
Melhor do que era.


Die Zukunft kommt zu mir, du nicht - liberdade de não estar em lugar algum, mas pisando chão firme da minha bolha.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

bilsbald

Hoje acordei em Dresden. Olhei pela janela e não reconheci a cidade, não reconheci as janelas dos outros apartamentos, não reconheci os mesmos rostos que encontro todos os dias no mesmo elevador, não reconheci as vozes ouvidas diariamente. Não me reconheci no espelho. Minha alma deixei em Bastei. E em Dresden eu fixo âncora em pensamentos, certa que deixei para trás o futuro que logo logo agarro nas mãos.


Amanheci em Dresden, tive certeza disso.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

vielendankemeinGott

Meu Deus, obrigada se por acaso eu tiver lágrimas para lavar o rosto cansado de um dia longo. Obrigada se, ao invés disso, porém não mais digno, vierem sorrisos para deixarem dormentes os lábios de infindável prosa de sobrevivência. Amém...

Die Zukunft liegt vor uns - medalhinha de ouro.

O resultado final de tudo nessa vida, quando bem aproveitada e quando compreendida, é GRATIDÃO pela força que papai do céu me deu, para subir tanto degrau difícil nessa vida em tão pouco tempo e para  olhar pra trás mais feliz do que eu era. Grata pela coragem infinita que adquiri para ter decidido romper ciclos que eu já não queria, por digna iniciativa, por me conformar que agora só há o meu bem, e por aí vai, e é muito presente para uma pessoa só, embora com cruz densa. Tenho muito orgulho de quem sou hoje, seja com rugas a mais ou não, porque ainda não as vejo, mas com cicatrizes do lado de dentro que acredite, são super sexy e über. Sempre com bom humor. Cada dia tem vindo com uma dificuldade diferente, e meu Deus, quantas são, e sobrevivi, respirando e andando, e agora é levantar os braços e aproveitar as novidades, lembrando sempre que as coisas más, mesmo que delas você fuja, estarão sempre em porta-retratos na sua memória, para o dia em que precisar de força e amadurecimento. Bebo a metade cheia do copo e respeito a vazia.


Status: Exausta! Precisando de 7 horas seguidas de sono.... ou de 2 horinhas de Dolcetto D'alba... Hehe.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

keine Zeit

As free as a bird,
Cigana do mesmo teto, turista da mesma rotina, gerente das próprias escolhas, tirana das vontades e ganas. dona do próprio nariz. clichê! Nada demais, tudo sutil. Kgs a menos, cabelos brancos a mais, relatórios a menos, sono a mais, lembranças de menos, borboletas estomacais demais, e aqui e acolá o destino me contacta com novidades muito, mas muito bem humoradas. 


Meu tempo é quando, não sendo longe. Ganhei de presente um presente [sem passado] e um futuro [sem âncora] - achou que eu diria sem futuro, né....

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

lições do psicomasoquismo alheio.

"Quem sabe o homem ame não apenas o bem-estar?
Quem sabe ele ame igualmente o sofrimento?
Quem sabe o sofrimento é para ele tão
vantajoso quanto o bem-estar?
O homem, às vezes, ama o sofrimento
de maneira terrível, apaixonada; isso é um fato.(...)
O sofrimento é a única causa da consciência".

[DOSTOIÉVSKI, Notas do subsolo (2008). p. 45-46.]

sábado, 29 de outubro de 2011

badlovestrangesmoke

A vida se reinicia em passos largos, as oportunidades me visitam à porta e eu cantarolo novas canções, ao passo que me anoiteço em lembranças daninhas. Tudo o que já me habita por dentro antes mesmo de eu pensar em jogar no ar. Lembranças boas que se fixaram, que não há como evitar, que não dá para extinguir. Tudo aquilo que o respeito evoca.

Os moinhos giram as pás, gira o mundo ao meu redor. Roda viva de socos no estômago, cheiro de hortelã, carinhos de uma mão pequenininha, livros de engrandecimento anti-inércia. Chega uma hora em que tiramos as rodinhas da bicicleta, soltamos as mãos dos pais, arrancamos a última pétala de bem-me-quer e seguimos com os próprios passos, seja aqui ou do outro lado do mundo.

Infinitas nuvens, como um rebanho no prado, tantos desenhos já não vejo e tantos outros agora percebo. Quantas folhas caíram em outono e que primavera me toma pouco a pouco...! As flores vieram. Mesmo na saudade do inverno, tão confortável.  Parnasianismo de revestrés, volta e meia, e quem sabe até uns tragos, não me desvencilho.

Na mira do canhão cada minuto conta. Não há tempo para pensar, embora seja esse todo o nó das boas escolhas. Pensando, tudo se encaixa... Cada novo ser emana em sua forma um novo recomeço. E eu conto com o espelho.! Saída da caverna, reconhecendo-me novamente. Hoje meus dias são conectados à sua despedida, minhas estações se definem com a sua saída, mas não abrumo minhas escolhas. E fico tranqüila que tudo se renove, e que bom que existe a amizade, e que bom que as coisas se transformam....

O homem é um animal preso à sua caixa de sentimentos. Segredo: descobri a chave.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

neues Parfüm

"É preciso SABER SENTIR, mas também como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso: a mágica oposta ao 'abre-te, Sésamo'. Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol".

(Clarice Lispector, "A Bela e a Fera, p.46-47).

Ré mal sucedida numa rua sem saída

Não é poema, é dilema. Pára-choque amassado numa manhã de terça-feira. Tudo culpa do leite que acabou, da banana para a semana e do café de todo dia. Nem queria sair de casa, mas saí para a vida. E pimba. Se eu me tomasse pela superstição, diria piamente que olha, tá vendo, voltar no tempo não cabe a mais nada, que reviver o passado já não me soma e que a roupa velha já não me veste. Foi um sinal... E, veja só, nunca tive tanta pressa, nunca senti tanta saudade do que ainda não vivi, nunca corri tanto para longe da inércia. E eu, que sempre fui desobediente, obedeci. Sim senhor, viu? E chego a sentir remorso por não doer mais, por não amar mais, por não sentir falta, por deixar que o vento leve. Como eu fui obediente. Era tudo questão de costume, será? - mau costume, diga-se de passagem. Era só uma abstinência de conveniência. Acredito que sim. Uma ré nos sonhos, nos planos. Cansei dos retratos, já expulsei as ladainhas do coração. Quanta lucidez! Quanto novo sabor na boca! Em outra - em outra órbita. Sonhando acordada com outras coisas. Apressada para deixar meu nome no necessário. porque sou obediente. Quando me lembro que aquele tempo existe, é pelo vínculo que ainda nos resta. E foi lindo. Brindo com um irônico e mediano vinho chileno. Passou, vá, viveu-se. À ré, meus agradecimentos.



"a estrela cadente / me caiu ainda quente / na palma da mão...."
[Leminski]

domingo, 23 de outubro de 2011

O clichê do "tô em outra" - estrada...

"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos que já se acabaram. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas possam ir embora. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira".

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Saudade - quod me nutrit me destruit

Escrevo Saudade no papel para que ela deixe de ser sentimento e se torne apenas palavra. Uma palavra no papel só passa a ter peso quando a ela se compete um valor, e uma lembrança só pode ser digerida quando deixa de existir no plano da angústia. Saudade é um retrato na parede, é a lembrança das cores, dos cheiros. Saudade é a palavra que já não suporto, a inimiga das minhas razões, a madrasta da coerência. Aquela que pune por querer fazer o correto. 

Andar para frente é esquecer a porta de trás, é memorizar a paisagem que já passou. A janela nos mostra uma perspectiva apenas, mas ainda assim nos traz algo de novo. O tempo é mudo e tem pressa. Quando virei a esquina, já esqueci. Nada mais tem peso. A saudade acabou, logo ali - mentira, ela acabou comigo. Bem aqui. Novos sapatos para um novo chão. E não nego, não nego a saudade. Bis bald. No mais, meu filho me ancora com asas de cigana. Mudei de país. Agora em alma e frio na barriga, amanhã em corpo. Ir aonde o destino me quer.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Dasein

O último gole. O último trago. O último encontro. A última página. A última dose.

Leveza nas costas, leveza no olhar, leveza nas palavras. Leveza nas mãos. Medo. Ansiedade. Alívio. Desabafo. Suor. Sorriso. Missão cumprida. Penso que já fui, mas ainda estou aqui. Sinto medo, mas antes já havia me servido de coragem. Tendo feito o que tinha que ser feito, tendo sussurrado o que tinha que sussurrar, colho sementes de novas colheitas, amanhã é tão perto que, mesmo que demore a chegar, é meu de direito. É melhor correr o risco ao expressar o que sinto a calar e viver o de sempre. Sinto e não sinto pressa. Debaixo do tapete, encontrei  a chave, abri a porta – mereço mais. Não existe metade das coisas. Ninguém pode me cobrir de negro. Não aceito meio copo, meia palavra. Meio olhar, meia devoção. Não sou do tipo que é posta no ombro, cantarola sons de papagaio e finge não existir. Tenho sangue, tenho pele, tenho voz e tenho timbre. Não me apaguem o sol que já me é de direito...

Clichês. Olhar para trás e não se arrepender. Viver tudo de novo. Saber a hora certa de agir, de novo. Ter boas lembranças. Cultivar o carinho das coisas boas, do lado bom da coisa. Nada acontece por acaso. Aprendemos em tudo, com tudo. Ser sincera acima de qualquer medo. Se eu não for comigo e com os outros, como esperar que sejam em retribuição? Melhor dizer como se sente a guardar aflições por medo de apontar os defeitos dos outros. Triste de quem não aprende, triste de quem não dá o braço a torcer. O espelho é o melhor amigo do futuro bem vivido. 

Livre e recomposta, mas  ainda com cacos a catar, olho pra cima e vejo que o que foi feito é o correto, mereço mais, já disse. Fui sincera, pedi mais, mesmo que a garrafa já estivesse vazia. Dói, mas revigora. Falaria tudo de novo. Vazios são os outros. Não sou invisível e sim transparente, não sou de plástico, não sou de vento. Tenho reflexo no espelho. Dois olhos, uma boca, dois ouvidos, uma alma. Peço licença para existir. Basta de não ser vista. Mil idéias. Pouca existência para vivê-las, e para isso existe sempre alguém. E quando o “alguém” já habita a Babel da própria bolha, muda-se o disco e traçam-se novos horizontes. O amor demora a morrer, e na verdade ele nunca morre, se transforma, e a saudade ainda vai me procurar, vai insistir em ficar, sentar no sofá e me observar lentamente nos buracos de silêncio, mas o tempo sempre ajuda. Que comecem uma campanha de maturidade nos postos de saúde, tem gente precisando de umas gotinhas. Compreensão faz bem à saúde. Egocentrismo, além de doença, mata. Me mataram por dentro. Quase sumi.

Mas tô aqui.
Dói.

‎"Vamos, não chores. (...)
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo erradomurmuraste um protesto tímido.
Mas, virão outros."


[Carlos Drummond de Andrade]

terça-feira, 4 de outubro de 2011

poserblasénolimetangereblablabla

SEM TEMPO AAAAAAAAAAAAAA
dasein
dasein
dasein
dasein
dasein
dasein


DA-SEIN
BOLERO
E
BLUES.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

"Temos a arte para não morrer da verdade."


"Toda a arte e toda a filosofia podem ser consideradas como remédios da vida, ajudantes do seu crescimento ou bálsamo dos combates: postulam sempre sofrimento e sofredores."



[Nietzsche]
[obra: minha preferida de Modigliani]

sábado, 17 de setembro de 2011

meus ombros já não suportam o mundo


Não me acho muito, mas me acho grande. Dou-me o direito de me evidenciar. Dou-me o direito de me defender, de não desbotar, de não desaparecer. Todos nós somos cegos dos outros, todos são cegos de mim. Mea culpa, culpa sua. Sou estátua que se move. Não sou nada, mas sou algo. Sou um mosaico de mal-conhecerem, um enigma a tudo o que não vem de dentro, aquela que enxergam, mas que ninguém vê. Assim somos todos, assim como a maioria, assim como você e ele. Somos cartas de um jogo da memória, muitas vezes organizadas em pares avulsos, e não em combinações iguais. O que sou e o que você vê de mim não são a mesma coisa. Ninguém me conhece. Mea culpa.

Sou sorriso de Monalisa. Sou borboletas na cabeça, pensamentos que não exponho, vontades e opiniões que calo até que alguém os faça à mesma medida, ou em proporção similar. Apenas concordo com a cabeça. Sorrio, quando não tenho o que fazer. Falo muito baixo e não consigo espaço.

Sou a boa bailarina para o açougueiro, a excelente aluna para o vigia, a mãe carinhosa para o dentista, a perfeita dona-de-casa para o professor, a amiga ideal para a estátua da praça. Sou sempre o velamento de um ser que nunca se revela, bla bla blá, sou sempre alguém à pessoa errada. Acordo existindo e erro de destinatário, bato sempre nas vistas erradas. Sou balela metafísica. Nunca a combinação correta. Não me deixo ser vista. Sou sempre a que não sucumbe ao desvelamento inteiriço, a que não sabe como andar até ao espelho, a que desconhece o reflexo e o cheiro. Sou a muda que muito tem a dizer, a que cala, mas que pensa, e muito. A que é, mas que não diz. Aquela que família, amigos e anônimos jamais conheceram, que absorvem e não penetram, a que jamais se complementa, a que deixa estar, a que respeita o silêncio que lhe oculta. A que dá o reflexo a quem não vê, não sei se por desastrada ou por acanhamento, sempre oculta nas interjeições e na complacência, no aham que não opina, na máscara do “e se”, no cacoete do “deixa pra lá”. A que enforca a própria garganta, mesmo sedenta de vomitar a essência. Clara como a água que não o é, cuspo um desabafo de 25 anos de vontade de ser o que quero e não consigo, ser aquilo além do visível, e juro ainda que sou mais e melhor, e enxerguem, estou aqui, e amigo, quero um copo e um trago, e meu Deus aqui dentro sou barulho e por fora sou vazio, e permita-me uma dose, e juro que existo, e o nome disso é frustração.

They'll send an S.O.S to you

Palavra e pensamento são criadores, precisamente por se instalarem como nascente. O perigo mora onde houver espaço.

Ao passear pela noite, vejo mil faces em diferentes cores. Vejo os mesmos autores e suas obras (as do verbo obrar, e não as do verbo criar). Vejo as mesmas retóricas vazias de significado. São todos personagens fictícios. Vejo maridinhos mimados traindo as suas grandes mulheres. Vejo garotas com complexos de Édipo mal resolvidos, e chego a jurar que não têm mãe nem pai, desejando os de compromisso e contradizendo a própria vontade de quererem algo fixo para si, brindando assim à contradição, a ignorância de si próprias. Vejo homens sem pudores, e até diria sem escrúpulos e sem culhões, desmerecendo o respeito que algumas enfim conquistam e desejando aquilo que não lhes é de direito. Usam como perfume - ou como ausência dele - o desrespeito. Vejo, também, pessoas aquém, semeadoras da discórdia, dos boatos e da malícia, porque a doença mental que é a mediocridade lhes tomou todas as outras prioridades na vida, e acredito que falta sexo nas suas rotinas, gastando o tempo para falar dos outros e para pescar maus comentários. São vespas bêbadas. Também vejo almas encalhadas nas próprias angústias em solidão, desesperadas em levarem para casa algo de mais interessante do que a própria existência, arquétipos empestados de complexos narcísicos, obcecados por se vangloriarem na adversidade refletida nos outros, jurando a inveja alheia e a cobiça de suas vidas medíocres, tão fedorentas debaixo do tapete. Vejo também aquele marido de liberdade enrustida que, no momento em que é solto, confessa o seu viver de aparências, e não conte a ninguém pelo amor de Deus, já mudei de idéia, tem a prole, e deixa eu voltar para casa para sorrir e calar, porque fui bem criado e honro minhas responsabilidades.

Garrafas, canudos e copos. DRINK ME, diria o rótulo. Beba-me. Obedece aquela alma de curiosidade e fraqueza. Em que mundo você vive, Alice? Não há mundo, não há chão, há vazio, na vida e nos pensamentos. Nada perdura. O clichê do efêmero com gelo e limão, ou não. Beba-me - e você cresce, você diminui, você some. Jamais permanecerá como era. Transforma-se. Muda à medida que molha a garganta, rega as idéias. Uma personagem que lhe afasta da verdadeira persona. Outra maneira de ser outra pessoa. Máscaras. Um vir-a-ser, uma mutação. Um sendo, enquanto durar a porção. Um ser aquilo que não é.

São cenas de um cotidiano corrupto, moribundo, mundano – o do mundo - , escarro dos bons, solitários à beira do abismo, em busca de álcool que limpe as feridas, que esterilize a agonia do fracasso. O que cheira a podre em perfumes caros. A ignorância em trajes de gala, autoconhecimento comprado em cigarreiras. A angústia anunciada. Pessoas e suas garrafas numa versão mais subterrânea de Message in a Bottle, com suas mensagens digeridas entre goles e gritos, quiçá pedidos de socorro, um “tirem-me daqui” que jamais é ouvido – há peso demais e a mensagem só afunda. Eixos mareados nas águas salgadas ou amargas do imperfeito, à espera de alguém que supere o abismo de abrir a rolha e traduzir uma alma. Uma babel das mesmas dores, do mesmo tédio, das mesmas rotinas, do velho museu de novas feridas. Eu? Você? Nós sobrevivemos.


[Schopenhauer diria: A vida oscila como um pêndulo entre a ansiedade e o tédio. Contanto que ele não generalize, eu acabo por concordar.]

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

a lot of keys and 6 hands.

The Weight Of My Words - Kings Of Convenience

There are very many things
I would like to say to you,
but i've lost my way
and I've lost my words.
There are very many places
I would like to go
but I can't find the key
to open my door.
The weight of my words-
you can't feel it anymore.
The weight of my words-
you can't feel it anymore.
There are very many ways
I would like to break the spell
you've cast upon me.
Because all the time
I sacrificed myself
to make you want me,
has made you haunt me.
The weight of my words-
you can't feel it anymore...

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Tempo bom, bom, bom, muito bom.

sábado, 27 de agosto de 2011

"ao meu jeito eu vou fazer..." - a sempre feliz.


A vida? A vida é uma pergunta, costumo dizer. A vida é contentamento. É a relação da alegria e dos seus contrários. A alegria não é negar a tristeza, a propósito. É saber que a tristeza existe e ainda assim fazer-se sentir. A alegria é a prova dos nove, já dizia Oswald de Andrade. É uma transformação metafísica, a superação que Nietzsche lembraria, a transformação da dor no prazer. É pura catarse. É suspiro. É a possibilidade de refletir em regozijo. A alegria é a felicidade como um tempo, e não uma constante. Há momentos, há o meu mundo – afirmação dos opostos, como já disse. É como sambar: chorar de alegria, sorrir de nostalgia, falou Noel Rosa. Uma pausa de mil compassos, (...) e nada mais nos braços, só esse amor, assim, descontraído - cantou Paulinho da Viola.

O fio de esperança fia-se no escrever. Esperança de não me esquecer.

Sou aquela que já não tem tempo pra mais nada. A cigarra que consegue ser formiga. Cronometra os minutos de arrumar a casa, antes da maratona de aulas e afazeres. Sou a que valoriza cada partícula de acontecimento do dia-a-dia, a partir de agora. Um gole d’água, compras no supermercado, aula de alemão, um filme na cama. O que for. Sou a única pessoa no mundo que só gosta de tomar banho no escuro, com música, a água bem quente. Sou a única pessoa no mundo que só faz reclamar de tudo, uma chata em potencial. Sou a única pessoa no mundo que se vicia MUITO em água com gás, gelo e limão, e o resto é resto, na medida do possível. Sou a única que tem o coração de geléia, sente rancor mas deseja o bem das pessoas. Sorrir não dói, fica a dica. Sou a única pessoa no mundo que, movida por um dicotômico e recente desvelamento, passa longe dos padrões de mulherzinha. A incompreendida. A que não é amélia. A que, se exausta, tem o marido que também varre, lava louça, lava banheiro, cozinha maravilhas, faz massagens. A que tem megalomania nas leituras. A que engole palavras. A que não fala alto. A que fala baixo, muito baixo. A que não consegue ser falsa. A que odeia retórica vazia de significado. A que arqueia muito as sobrancelhas, a que espreme os olhos porque os óculos não ficaram prontos, a que é sempre sisuda, a do sorriso de monalisa. A que critica. A cética. A que é sincera demais no que diz, dane-se. Aquela que é o que é, a que se decepciona por conhecer pessoas que preferem o clichê raso e pré-fabricado, hermeticamente igual. A que se deslumbra com as pessoas inquietantes nas excentricidades. A que não suporta a metade das coisas. A que quer tudo. A que adentra as entranhas. A que antipatiza a prepotência alheia. A que, narcisicamente, escreve besteiras.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

o moralista que tudo vê

‎"Minhas peças têm um moralismo agressivo. Nos meus textos, o desejo é triste, a volúpia é trágica e o crime é o próprio inferno. O espectador vai para casa apavorado com todos os seus pecados passados, presentes e futuros. Numa época em que a maioria se comporta sexualmente como vira-latas, eu transformo um simples beijo numa abjeção eterna.".

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"Manuel Bandeira chegou pra mim um dia, quando eu e meus personagens éramos odiados, e disse:' Nelson, por que você não faz uma peça em que os personagens sejam assim como todo mundo?' Eu respondi da forma mais singela: 'Mas meu caro Bandeira, meus personagens são como todo mundo.' Porque uma coisa é verdade: quem metia ou mete o pau no meu teatro está procedendo como um Narciso às avessas, cuspindo na própria imagem."

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“A ficção para ser purificadora precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de todos nós.”;

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....E esse é o moralista que nos cala antes mesmo de pensarmos em fazer o erro. Nelson Rodrigues, desvelado em uma ótima palestra com o fantástico Prof. Roberto Machado, esta noite. Volto para casa sentindo falta de óculos, mas a engolir toda e qualquer peça possível.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

claro e transparente como o sorriso que você julga me dar.


Um caminho muito complicado é aquele que tentamos traçar com pessoas que nos decepcionam, seja por um ato ou por um mal que dizem a nosso respeito. Essas pessoas deveriam saber que, nas suas tentativas de se fazerem vítimas nos julgamentos que sucedem a mágoa, o Homem certamente não é só aquilo que faz de si, mas também o “a partir da compreensão do outro”. Um ser-no-mundo. O Outro define e completa o ser. Basicamente, saiba que você não é apenas o que você julga e jura ser ou não ser, mas também o reflexo do outro, o "lado de fora", o espelho (pessoas), o que enxergam de você. O outro é o espelho que reflete o que eu sou. É aí que habita a dualidade da nossa existência, a lei da ação e da reação. Do fazer e de ter consequências. Do "ser algo para os outros" a partir de seu próprio comportamento. Usar máscaras não funciona, tampouco dizer que não é isso ou aquilo. Uma vez tendo agido errado, não há volta. Não existe "atrás do pano", não existe cortina, ou é, ou não é. Quem fala o que quer, mais cedo ou mais tarde ouvirá o que não quer (pelas costas, como uns, ou diretamente, como prefiro). Mesmo que eu lamente muito, mas muiiiiito isso.

Siga em frente.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

que sempre voem as nossas asas do saber e do ser.

"Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer."

[Carlos Drummond de Andrade]

(...nada mais metafísico...sempre, sempre choro.)

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Homenagem ao meu filho LINDO que, neste dia 11, completa quatro aninhos de muita, mas muita gostosura, alegria e perspicácia. Você, filho meu, representa em seus quatro anos toda a minha ETERNIDADE de sentimentos e de aprendizado. SEJA. E seja MUITO feliz, da maneira que quiser, da maneira que for.

Lindo, lindo, lindo. Metafisiquemos..., seja, e assim exista. TE AMO.
*chorando...*

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

na paz mais incrível que existe - a interior.


Gosto das coisas que chegam assim, desfazendo o planejado, reconhecendo-se ao avesso no premeditado, espantando-se no imprevisível. Tudo aquilo que vai além do visível, do humano e do planejado me fascina. A coincidência da cor da parede com o humor de uma visita, a sisudez de um bom dia desvairado ao sintonizar a rádio que lhe presenteia com a mensagem primordial do recomeço, o amigo que lhe encontra e refaz aquele abraço que até então você necessitava, a TV que desacelera seus pensamentos quando você já está a ponto de explodir.

No chaveamento dos canais me entrego ao Sem Censura, mato a saudade no melhor estilo que a nostalgia me proporciona e encaro, sem delongas, a trilha do meu momento mais precioso – o de acordar amanhã.
Ele, tão lindo. Embalou e deu poesia ao meu cíclico reapaixonar-me, antes de selar meu destino. Sua voz é prelúdio de eu poder me apaixonar a qualquer momento, e sempre poderei. Eu posso agora.
Tenho com ele um passado de alentos inimagináveis, companheiro de CD surrado dentro do carro, em crises de choro por me atrever a ouvir Metade incansavelmente no caminho da minha casa para a faculdade, adentrando a sala com olheiras de sentimentalismo; Culpado, ele, por corroer-me em bandolins de uma dançarina solitária, em lua e flor, em estrelas e, no mais cruel das minhas vísceras, reencontrando-me em sua versão de Sem Fantasia..., com lágrimas e contorcionismo, entre a terceira e a quarta marcha's', sabendo que sempre não é todo dia.

Minha misantropia sempre reconheceu o seu timbre - e ai como eu amo o seu grisalho -, mãos que dedilham as cordas do violão e, veja só, por acaso pegaram-me no colo mais uma vez. A partir de então posso morrer e nascer o quanto eu quiser, o sonho de agora, e não de outra hora.
Preciso dizer que nesse momento eu choro um mundo inteiro?

zu leben - zu lernen


Vida que jamais perece, contínua máquina rotatória que gira, gira, gira, (mas não na redundância das palavras...), vida que jamais se deixa paralisar por qualquer circunstância. Vida boa que tarda a se entristecer, mestra de tantos mortais, dá-me mais um dia de aprendizado na felicidade. Vida de dicotomias, vida que me guarda. Ciclo de encontros e despedidas, de idas e vindas, de partidas e regressos. É real e é de viés e, como bem sabemos de tudo aquilo que vivenciamos - existir, problematizar, resolver, respirar fundo para o próximo batente, acordar e dormir: similar à Hidra de Lerna, cortada uma cabeça aparecem outras cem...

"E por fugir ao contrário, sinto-me duas vezes mais veloz", diria Chico Buarque.

sábado, 23 de julho de 2011

Never clip my wings

Se tenho o direito ao choro, então eu choro. É o direito que me dou ao passar a ser fã de alguém. Choro como quem perde alguém que embalou meus ouvidos e pensamentos nas situações mais adversas. Choro, e com vontade, como se em algum momento eu me sentisse no direito de, como fã, tê-la como alguém que conheço de tão perto. Foi quem embalou minhas mudanças de espírito e deu vida aos meus sentimentos em inúmeras situações. Fez companhia, permitiu que a conhecesse em suas fraquezas.

Deixemos de lado todo esse julgamento em torno de seus deslizes nas drogas,dispensemos todas as pessoas toscas com suas piadinhas de mau gosto. Paremos um pouco para pensar no quão importante ela foi para a NOSSA época, em como pudemos conhecer alguém tão GENIAL à medida que VIVEMOS, e não nos heróis do passado. Ela deixará certamente um riquíssimo tesouro aos futuros, digna de ser lembrada mais por sua obra do que por sua fraqueza, à medida que o tempo passe. Deixemos finalmente uma alma encontrar seu descanso, e insisto que busquemos fazer isso, algo tão mais difícil do que simplesmente julgar, como inevitavelmente fazemos. A solidão possui diversas facetas, eu bem sei. Sofrer é uma das mais difíceis tarefas que devemos cumprir nessa vida. Difícil mais ainda por trazer consigo embutida a incompreensão dos outros.

Ela, excêntrica. Mais uma pessoa de carne e osso que, envolta em suas particularidades, conseguiu transcender o comum e revolucionou nosso conhecimento sobre a boa música. Uma pessoa linda de talento absurdo, em efêmero tempo de existência, nos prova que é maior do que a vida aquilo que deixamos aos outros. Se foram precisos 27 anos apenas para que sua luz chegasse a nós, que eles sejam admirados, então. Never clip my wings. "Nunca amarre as minhas asas", já dizia a sua tatuagem. Deixem-na voar.

O “nunca mais” dói, apunhala e arde no coração de quem a admirava como eu. O “nunca mais” é o limite do desespero, é a angústia, a carência, o ser órfã de sentimentos. É o adeus. O silêncio. O vazio do replay.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

discurso de alento

Leva,

Leva minha alma

Leve e pesada

Doendo em alvitres

Trancada nas horas

- passadas

Em que já não se vive.

Leva

Para alguém que não doa...

Para as horas à toa

Que não seja aqui,

Que não volte de lá

Que suporte a lembrança,

Leve.

Traga

Mais um último trago

Do que já não me habita

E que – sin embargo

Ressuscita.

sábado, 16 de julho de 2011

looking for a postman

As vísceras deterioram-se no pior dos sentimentos, o mais uma vez mencionado luto vem à tona. Lembrar a dor é senti-la em dobro, revivê-la incansavelmente dentro do mínimo espaço de ser. Incapaz de mover os lábios, encontro-me extinta de voz e de palavras para explicar a quem quer que seja o que acontece dentro de mim. Incapaz de mover os lábios, perco o último esforço de conseguir esboçar um sorriso. Já consigo enxergar nos outros as diversas interrogações, porque até então era tão raro eu não sorrir.

Há o colo ao dormir. Há um aperto de mão. Um cafuné que nunca tarda a vir. Há o bom dia com beijo de hortelã, há o filho que me envolve em dias de magnitude, há os amigos. Sou rodeada de mundo, mas não sou mais nada além de solitária desde então, simplesmente porque ninguém conseguirá sentir a dor por mim. O desabafo não consola, lamento, a não ser que alguém consiga entregar dentro de um envelope a minha dor para outra pessoa. Quiçá eu a envie pelo correio a algum desconhecido que cometeu grandes pecados nessa vida (toma, você merece mais do que eu). Quiçá eu me lembre de que aquilo que nos é dado é proporcionalmente igual à nossa capacidade e à nossa força, que eu não vivo as coisas por acaso e que, quer saber..., pelos mistérios entre o céu e a terra eu precisaria realmente doer por dentro para entender o lado de fora, amanhã. Não que eu me julgue merecedora de dor. Afinal, quem de nós, seres humanos, seria? Não que eu me julgue vítima diante da dor. Afinal, concordemos, seria horrível...

Por alguma razão, sofrer lapida os diamantes. Por alguma razão, ressuscitei Monalisa e equilibro a tristeza dentro da minha bolha de contentamentos.

O passado nada mais é do que o presente já dobrando a esquina. O futuro? Uma roda viva incapaz de ser regida como desejamos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O vácuo do atemporal


Dor que vem em meio aos beijos, junto à rotina, dentro do café com leite, misturada ao gole de whisky, dentre os tragos que já não dou, nos intervalos dos desenhos animados, entre as páginas das minhas leituras, nos capítulos do meu filme predileto. Dor que ignora a minha vida e a felicidade, dor que decretou seu próprio destino imortal e infinito e não se esquece de bater à minha porta. Dor que não se importa se é noite ou se amanheceu, se é cedo ou tarde. Dor do inevitável, dor da consequência, dor do sem perdão.

[Grito e choro, escondida, a dor não ouve. A dor não vê. Ela apenas existe.]

Maior do que o luto do imediato – aquele que é natural, que se inicia acompanhando a perda e que tão rapidamente cicatriza – é o luto da lembrança. O luto de lembrar dói sem a promessa de passar, oscila, lateja. Lembrar em luto é viver a morte e com ela morrer, segundo após segundo, sem promessa de alento. É cair em abismo, precipitar-se, morrer em precipício. É ferida aberta, é lamento, é frio sem cobertor, sede sem água. Fecho os olhos a espantar o filme que vai e vem nos meus olhos, mas as lágrimas que deveriam lavar só me queimam. Sinto dor. Mal dá para me contorcer em quimeras, o destino é um e a cruz só pesa.
Saudades do que não foi palavra. Lamento em quem não foi sussurro.
O luto da lembrança – eis uma dor que não desejo a ninguém.

sábado, 9 de julho de 2011

O uno e o múltiplo de sermos


Dieses Baums Blatt, der von Osten
Meinem Garten anvertraut,
Gibt geheimen Sinn zu kosten,
Wie's den Wissenden erbaut.

Ist es ein lebendig Wesen,
Das sich in sich selbst getrennt?
Sind es zwei, die sich erlesen,
Daß man sie als eines kennt?

Solche Fragen zu erwidern
Fand ich wohl den rechten Sinn;
Fühlst du nicht an meinen Liedern,
Daß ich eins und doppelt bin?
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"A folha desta árvore que de Leste
Ao meu jardim se veio afeiçoar,
Dá-nos o gosto de um sentido oculto
Capaz de um sábio identificar

Será um ser vivo apenas
Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram
E nós julgamos num unidos?

Pra responder às perguntas
Tenho o sentido real:
Não vês por meus cantos como
Sou uno e duplo, afinal?"

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(Goethe teria mandado a Frau Willemer uma folha de Ginkgo
Biloba como símbolo de amizade. A respeito da planta do Oriente,
não se sabe se ela é uma que se divide em duas, ou duas que
se unem numa.)

Somos o uno e o duplo, afinal, no nosso existir e no estar com
alguém. E desconfio de quem me disser que em Goethe não há
Filosofia.

(emocionada)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

principles of lust

"Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um so mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio."

[Pablo Neruda]

sexta-feira, 1 de julho de 2011

falschen Zeit


Era uma vez um rei. Era uma vez uma menina. Eles se encontraram na história de uma viagem. Era uma vez - e sempre haverá por aí - um amor proibido, aquele vivido em seu castelo tão bonito. E proibido seria não voltar.

Conheci tudo novo no meu velho mundo. E o velho me renova, sempre. Paradoxo dos contos de fadas. Eram dois olhos brilhando o amor de outrem, celebrando o meu. Era o brilho do amor meu, era a cumplicidade dos outros. E, em milhões de passos, percorri cidade em cidade em cidade em cidade. Meu berço. O rei me acompanhou, e talvez eu o tenha reconhecido. Talvez eu o conheça desde sempre. No fim, ele não passa daquele que vive dentro de nós - o pensamento. Era a história. Labirintos de árvores em vento gelado, flores, nuvens. Concreto em forma de casinhas de boneca.

Haverá um propósito para tudo nesse mundo, e minha alma não pousou lá por acaso, há 25 anos. Senti arrepios. As paredes me contaram histórias. Os tons de marrom ignoraram a minha idade. Quantos anos eu tive? Era tudo outrora. A cor das florestas e das flores pintavam meus planos. Senti-me nascendo, senti-me revivendo, senti-me, até diria, des-reencarnando, retrocedendo séculos e experimentando tons de vozes e cores, histórias, lendas, trilhas. A minha história. Os sabores. Os cheiros. Fiquei diante da coroa de pedras e de ouro. Eu vi as espadas com esmeraldas e rubis. Senti o peso das armaduras. Quis montar os imponentes cavalos árabes, mas eram só estátuas. Digeri - a música. As louças. Os cristais. As letras. O som das catedrais. Não me tirem dali, por favor.

Quis trazer tudo comigo, na bagagem de rodinhas (na de histórias, acredite, veio tudo. Deixei o país vazio). Quase trouxe o lustre de pedras preciosas para casa. Senti as árvores e roubei suas folhas. Couberam perfeitamente nos vácuos das minhas páginas da réplica do caderno de Goethe. Leio e releio suas citações e, embebida em Apfelwein, adormeço nesse sonho que mais uma vez acontecerá. É só acordar.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Heute, genau.


Os desenhos das nuvens lá no alto me fizeram decifrar o maior segredo da minha existência, assim que lá pousei – eu nasci para lá, e não para aqui. Eu sorrio para longe, e não para perto. Eu sou aquilo, e não isso. Eu sou lá.

Descobri minhas pegadas em todas as ruas, meus pertences, minhas texturas, os cheiros, as folhas, meus olhos, meus sabores, meu choro, meus versos, minhas perguntas. Quisera apressar o relógio e, se o destino não se importar com meu espaço nos quereres, poder recomeçar com os meninos lá, onde quero.

Cheiro de álbum de fotografias em meio ao vento gelado, quando nada mais interessa nesse mundo. Uma gola que cobria todo o pescoço escondia os nós de choro engolido, contido, moído. Relembrar as paisagens que não conheci, mas que nelas vivi, reativar a memória para o futuro, encontrar meu plano bem ali, entre a filosofia, a psicanálise e Goethe, na universidade de Dresden. Encontrar a cultura que quero em Berlim. Respirar pelas ruas de Frankfurt. Uma bicicletinha em Saarbrücken. Deixar-me levar pelo som dos sinos de porcelana, quando for a hora de voltar para casa. Esconder as mãos do frio, não de desamparo, mas de recomeço. Casa minha.

E a ela e a tudo, até breve.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

bisbaldagain


...Queria tudo de novo...

Tempo livre já não lembra mais de mim. É muita vida para ser vivida, pouco tempo para o supérfluo...

Falta-me oportunidade para colocar tudo em letras e transmitir por aqui todas as sensações desses últimos 20 dias. Feliz demais...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

lindodemais

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

(Ah! bruta flor do querer...
Ah! bruta flor, bruta flor)


ESTROFEPREDILETA. SEMPRECHORO. GÊNIO.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Proparoxítonas de escárnio


Depois de muito tempo vagando, tropeçou nas proparoxítonas. Não era culpa dela. De súbito, logo sentiu saudade (mentirinha). Engasgou-se em lágrimas (mentirinha). Espetáculo. Sentiu cheiro de nostálgico. Não durou muito. A felicidade prevalecia, era mágico.


Deparou-se com o trágico, mas tal qual era e sempre foi, converteu-o em cômico. A lástima deixou para os outros. Sorriu. Sussurrou o último e rápido segredo, este de liquidificador para que ninguém o escute; É alérgica. Viu o ácaro arriscar contato, mas o desprezou como quem não dá mais espaço para o pálido. As cores são mais gentis, não precisam de inimigos. Mágico escárnio.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Mãe - Teoria versus prática


Creio que toda mãe tem uma pontinha de "insight" dentro de si. Aquela pitada de sexto sentido, aquele toque final na magnífica educação passada à sua cria. Intuição, quem sabe. Haverá sempre um pouco desta, a qual coincide tão bem com as particularidades do seu filho, tão diferente de qualquer outra criança. Acredito que para uma excelente educação a intuição será sempre uma grande aliada, pois é com base nela que saberemos como instruir nosso filho da melhor maneira possível, até o resultado final: seu perfeito crescimento.

Há uma semana, por exemplo, meio assim do nada, tive algo parecido com um insight. Estávamos eu e Ícaro brincando de digitação no computador, coisa que ele adora, quando de repente um bebê novinho começou a chorar no prédio da frente. [Ícaro tem completa aflição quando vê ou ouve alguém chorar, ainda mais quando se trata de um neném, mesmo quando é personagem de filme]. Aflito, perguntou-me logo o motivo do choro, se era de fome, se era de frio, se ele tinha caído, onde estaria a mamãe dele.

Então se deu o estalo. Um passe de mágica. Aquele que só uma mãe é capaz de ter.

- Ah, meu amor... nem te conto. Aquele bebezinho, veja só, chora por não ter um bubu, já pensou?

- ...É?

- É. Você já ouviu falar na fadinha da chupeta?

- Não...

- É uma fadinha linda, de roupa bem colorida, cabelo grande igual ao da mamãe. Ela dá a chupetinha a todo neném que chora porque não tem... Sabe como é?

- Então ela compra um babu para o bebê que tá chorando?

- Ah, mas a fadinha não tem dinheiro... [tom penoso]. É assim. Quando uma criancinha cresce, como você, sabe o que a gente faz? Guarda as suas chupetas numa caixinha de presente e pendura na janela. Ela vem, pega e leva até o apartamento do bebê que chora...Em troca, ela traz um presente para você.

O bebê continua a chorar. Ícaro olha para as duas chupetas na mão. Suspira.

- Mamãe, eu quero ajudar.

E então fizemos todo o procedimento. Ele beijou os bubus, guardou num papel colorido, enfiou numa sacola bonita e pediu que eu pendurasse na janela do quarto dele. Depois escondeu-se, pois a princípio ele não suportaria ver a fada da chupeta, acho que lhe faltou coragem. Aproveitei o descuido dele e logo guardei o embrulho. Na volta para o quarto, com os olhos arregalados e brilhando, ele encontrou a janela já sem a sacola e me disse:

- Tá ouvindo, mamãe? Ele parou de chorar...

Sorriu.
E saiu satisfeito, sem tristeza, com orgulho e satisfação. Não chorou, não pediu, não se arrependeu. E desde então ele se faz completamente menino, distante do seu último rastro de transição. O bebê cresceu. A mamãe conheceu mais uma vez o orgulho. Nesse momento, confesso, ela chora.

...Repleta de uma alegria absurda, mas embalada por saudade dos três primeiros anos do seu filho, anos que mais pareceram voar.

Para alguns essa história também teria dado certo. Para outras crianças, nem tanto - a estorinha do Coelhinho da Páscoa cairia perfeitamente. Talvez a do Papai Noel, ou a da chantagem do videogame, quem sabe. O que basta é a mãe saber como lidar com o seu filho - e esse é todo o segredo - independente do que digam ao seu redor. Sempre haverá quem queira interferir. Sogras, por exemplo. Deixe que falem. A mãe é você. E a satisfação, maior do que a de qualquer outra pessoa, será sua.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O labirinto de ser e não ser, ao mesmo tempo.


Aludindo a Karl Kraus: Muitas vezes, a Filosofia não é mais do que a coragem de entrar num labirinto.

Coragem, sim. Aquela que se move tendo como combustível a paixão por algo. A paixão que surge em algum momento da vida, esquecendo-se dos prováveis frutos ou da ausência deles. Aquela que não tem a certeza de te levar a algum lugar, mas que te proporciona evolução, coisa que poucos conhecem. A coragem também se banha nesse rio. Há inconsequência, mas há sinceridade. Existe o fracasso, mas prevalece o conhecimento. Existiu a coragem. Velho? Velho é o mundo. Lá fora? Uma retórica vazia de significado. Aqui dentro? Papiros, cultivando simultaneamente minha misantropia e minha procrastinação capitalista, esta tão cruelmente cobrada e julgada pela sociedade. O mundo é hipócrita, o mundo é superficial, e as pessoas lamentavelmente se acham melhores que as outras, esquecendo-se da ignorância que cultivam. Ser papagaio de pirata é triste, concordemos.

Tudo isso eu resumiria em versos e notas musicais porque, como é com a Filosofia, também é com a música: sem ela eu não vivo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

o nosso viver de aparências


Tem sabor de café, de iogurte,de pasta de dente e enxaguante bucal. Tem sabor o seu beijo pela manhã. Tem cor de nuvem, tem cor de fruta, seu sorriso, sua boca. Tem som de acalanto a sua risada. Seu humor borbulha.


Seu timbre soa como a trilha do meu silêncio; seu ritmo coordena a minha preguiça. Sua mão em toque de felino. O olhar embebido em carência. Seu abraço, seu afago. Desperta-me. Seu beijo ao acordar.

Levanta, alguém nos chama. O dia se espreguiça... O vento nos cumprimenta. Chegamos mais uma vez ao ponto de partida do nosso percurso – o ponto de partida de mais um dia, o de acordar repetidamente, lado a lado. O de todos os dias.

-Seu beijo ao acordar.-

Reiterando o ciclo, reiterando o tempo. Aquele de permanecer constante. REnascendo. Acompanhando o sol, ouvindo a rua, regendo os pássaros. Dormindo e despertando. Observando o fruto, aprendendo e ensinando. Produto nosso. Como sorrimos...! Amigo, pai, marido, bom dia. Mais um, como aqueles tantos. Seu beijo ao acordar.

Tem cor de chuva o nosso sono. Tem cheiro de creme e amaciante. Tem a leveza do cobertor, a profundidade dos travesseiros. Só o relógio faz ruído. Tem sabor de pimenta, gengibre, hortelã, chocolate. Seu beijo ao dormir.

domingo, 24 de abril de 2011

sublime


Acordar cedo. Café com leite - bem docinho. Todos dormem. Céu nublado. Não se vê cor alguma. Pouca luz. Nariz gelado, pés com meias, chão frio. Cheiro bom. Chove muito. Chopin, por longas horas. Eu não teria outra palavra a não ser:

A cidade muda



Mudez, mudança. Afasia. Afonia. Mudança. A cidade, muda.

Os livros não mudam - Diferente de exposições, teatros e shows. -, diferente dos homens e das cidades. Podemos gravar a música, mas o som reproduzido não é a música do artista, da mesma forma que a reprodução de um quadro não é o quadro. A reprodução de um texto é o texto, embora eu me preencha com um pouco de paródia. Quadros, peças e esculturas envelhecem, craquejam, precisam ser restaurados. Os olhos e ouvidos, assim como a sensibilidade dos homens, mudam. A cidade.

Saio de casa, fecho a porta e caio na cidade. Ando nela esquecendo-me que daqui a 40 anos, 23, 35, um ano e oito meses, ou daqui a uma hora e 47 minutos posso morrer. Andamos com o medo de ser machucados, mas não com a lembrança de nossa morte futura. Só podemos viver e andar na cidade porque somos imortais. Ou não? E vamos criando anticorpos a cada esquina atravessada, para qualquer enfermidade.

A cidade muda. A cidade que conhecemos muda a cada minuto. O mundo muda. Na verdade, nem muda, por aquilo já não ser mais aquilo, e pelo 'isso' não ter tempo de continuar a ser 'isso' e em seguida deixar de sê-lo, no segundo seguinte. A cidade muda. Porque reconhecemos seus volumes, continuamos a chamá-la de nossa cidade. Surpreendo-me com um espaço vazio ou um novo prédio - não estava lá da última vez, lembro com certeza. Mas sei o que estava antes? Não. A ausência do que não me lembro, sua demolição e substituição, ou a reforma de uma fachada, a transformação do uso de uma casa em outro (agora é uma padaria, e o que era antes?), me fez pensar que eu estava perdendo a cidade que nunca guardei.

Ao deixar de perceber o que ali havia, no momento em que deixo de ver algo que ali jazia e agora já não há, tenho a mesma sensação da de quando percebo que uma peça que queria assistir saiu de cartaz. Uma representação não se repete. A percepção do transitório que compõe a cidade e sua vida trouxe à lembrança minha própria finitude, a co-habitação da indesejada das gentes nesse corpo que sou eu. Não vi, e portanto não continuará existindo em mim, aquela casa agora demolida, a peça não assistida. Não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, uma platitude física, mas podemos nos esforçar para estar onde estamos. Olhar e enxergar em volta. Uma casa e um prédio no meio do caminho. As pessoas, pedras ou árvores - aquelas que lhe prejudicam e aquelas que lhe dão sombra e abrigo.

Mudamos junto com a cidade, nós morreremos e ela continuará sua transformação. Tentemos, com distração, captar pequenos sentidos possíveis em nosso trânsito diário, passando adiante. Seja em uma conversa boba, indo ao cinema, na tal fila do supermercado em véspera de feriado, na nova livraria inaugurada, na árvore centenária recortada da imagem do bairro, no terremoto que adentrou o hall das notícias, no cachê diabólico pago ao padre que canta, no hotel antigo demolido naquela rua movimentada, nos pés de jambo colorindo as calçadas da minha avó, na quantidade de linhas horizontais que dão movimento aos volumes verticais, no cheiro de praia que perfuma Janeiro e o começo da rotina maquinal que reverencia Fevereiro em diante. E feliz ano novo, até o próximo reveillon.

Enxergar, apontar, nomear e narrar é também criar uma existência e poder passá-la adiante. Os livros não mudam, mas só existem dentro da ação contínua da vida, só acontecem quando lidos por olhos que mudam e passam adiante.


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(Fotosdasfotos: com minha mãe; Saarbrücken, cidade natal que voltará a ser morada por algumas semanas de Junho. Além de Frankfurt e - só um sopro de - Lisboa.)

entre aspas, pero no mucho


Tenho pensado no fundo. No fundo das coisas, no fundo do coração, no fundo da terra, no fundo do mar, no fundo da cama, no fundo da xícara. Tenho pensado em me movimentar, nem que seja para o fundo. Para o profundo de tudo. Me esconder para que o tempo não passe. Para que as coisas não mudem. Para que o paradoxo se evidencie, veja pois. Saber das coisas a fundo, pensar pensamentos a fundo. Olhar a pessoa no fundo dos olhos e tentar descobrir o que ela fará comigo caso lhe mostre o fundo do meu coração. O fundo é um lugar e pronto. Quero mais que espaço e aspas, quero o imaterial que às vezes pesa à mão. Conhece? O imaterial que toca o coração com o dedo. Sem medo. Isso mesmo. Quero o que não pode com aquele que posso, quero ir ao supermercado e comprar desinfetante para minha mente e limpá-la. Quero ultrapassar a barreira do tempo e fazer a vida ser MAIS feliz. Será isso possível ou sou apenas uma lunática cheia de querências? Feliz já sou - a fundo, com dedos, anéis e sem medo.