O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

sábado, 17 de setembro de 2011

meus ombros já não suportam o mundo


Não me acho muito, mas me acho grande. Dou-me o direito de me evidenciar. Dou-me o direito de me defender, de não desbotar, de não desaparecer. Todos nós somos cegos dos outros, todos são cegos de mim. Mea culpa, culpa sua. Sou estátua que se move. Não sou nada, mas sou algo. Sou um mosaico de mal-conhecerem, um enigma a tudo o que não vem de dentro, aquela que enxergam, mas que ninguém vê. Assim somos todos, assim como a maioria, assim como você e ele. Somos cartas de um jogo da memória, muitas vezes organizadas em pares avulsos, e não em combinações iguais. O que sou e o que você vê de mim não são a mesma coisa. Ninguém me conhece. Mea culpa.

Sou sorriso de Monalisa. Sou borboletas na cabeça, pensamentos que não exponho, vontades e opiniões que calo até que alguém os faça à mesma medida, ou em proporção similar. Apenas concordo com a cabeça. Sorrio, quando não tenho o que fazer. Falo muito baixo e não consigo espaço.

Sou a boa bailarina para o açougueiro, a excelente aluna para o vigia, a mãe carinhosa para o dentista, a perfeita dona-de-casa para o professor, a amiga ideal para a estátua da praça. Sou sempre o velamento de um ser que nunca se revela, bla bla blá, sou sempre alguém à pessoa errada. Acordo existindo e erro de destinatário, bato sempre nas vistas erradas. Sou balela metafísica. Nunca a combinação correta. Não me deixo ser vista. Sou sempre a que não sucumbe ao desvelamento inteiriço, a que não sabe como andar até ao espelho, a que desconhece o reflexo e o cheiro. Sou a muda que muito tem a dizer, a que cala, mas que pensa, e muito. A que é, mas que não diz. Aquela que família, amigos e anônimos jamais conheceram, que absorvem e não penetram, a que jamais se complementa, a que deixa estar, a que respeita o silêncio que lhe oculta. A que dá o reflexo a quem não vê, não sei se por desastrada ou por acanhamento, sempre oculta nas interjeições e na complacência, no aham que não opina, na máscara do “e se”, no cacoete do “deixa pra lá”. A que enforca a própria garganta, mesmo sedenta de vomitar a essência. Clara como a água que não o é, cuspo um desabafo de 25 anos de vontade de ser o que quero e não consigo, ser aquilo além do visível, e juro ainda que sou mais e melhor, e enxerguem, estou aqui, e amigo, quero um copo e um trago, e meu Deus aqui dentro sou barulho e por fora sou vazio, e permita-me uma dose, e juro que existo, e o nome disso é frustração.

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