O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Meu amigo misantropo


Meu querido colega de sala, aluno de Filosofia como eu, e não sei se ainda niilista, mas um agradável parceiro em algumas jogatinas de xadrez, nos intervalos das aulas. Dono de uma super inteligência e senso crítico. Jovem e de um senso filosófico extremamente promissor. Agora, com um blog repleto de personalidade. A quem gostar, como eu, cá está.


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

turn out the lights yeaaaaah

When the music's over
When the music's over, yeah
When the music's over
Turn out the lights
Turn out the lights
Turn out the lights, yeah

Glay que não aguenta mais ouvir: Tocathedoooooooooors.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Narciso e o espelho colado


Lutar com as palavras - já dizia Drummond.

Admire-se ao prestar atenção em tudo o que ocorreu neste ano. Ponha as lentes de grau ou de lucidez, mas veja dia a dia sua marcha até aqui. Trezentos e sessenta e cinco, cada um completamente diferente do outro – dias com preguiça de terminar, mas com ares de mestre.

Fecho os olhos, suspiro. Um nó na garganta, lágrimas de exaustão. Passo a chorar bastante, assim, do nada. E concluo...

Não reclamo.
Não questiono.
Sem ironias.
Somente agradeço.

Meu Deus. O quanto agradeço.

Agradeço, neste final de mais um percurso, por todo o aprendizado. Em caixa alta, em negrito, gritado. Minha força tamanha de agora só foi possível pela dor incessante de cada dia de um ano tão cruel, a ponto de ter sido – disparado - o pior ano da minha vida.

Muito obrigada por isso, Chefe.

Obrigada pelo ano que me foi dado. Aprendi muito. Obrigada pela saúde que reconquistei, já perto da linha de chegada. Obrigada também por meu filho ter evoluído tanto, por ser esse menino tão inteligente e forte que ele é. Por ser divertido, tranqüilo e obediente. Obrigada por ter dado uma segunda chance a muita gente que precisou dela. Essa gente é muito importante para mim. Obrigada por ter me dado paciência e complacência, para mais um ano buscando o melhor para minha família, mesmo que ainda pequena. Obrigada por ter protegido minha casa, e pronuncio isso com tanto orgulho - meu lar, meu ninho. Sou dona de algo inenarrável. Nele, moram comigo dois homens, veja só, eu que sempre tive o conforto de dividir hábitos de organização com irmãs, moro agora com dois meninos que bagunçam, que viram minha sanidade de cabeça para baixo, mas que me ensinam tanta coisa, mesmo na clausura e na castração.

Obrigada pelas lágrimas que derramei e que ainda posso derramar. Muita gente não sabe a importância que elas têm ou sequer consegue derramá-las.

Obrigada por estar preparada para um próximo ano maravilhoso - este torço que seja egoisticamente bom e produtivo para mim. Prometo não me esquecer do que aprendi. Que eu tenha a companhia dos outros, e que eles me acompanhem, dessa vez, já que fui sempre a sombra das decisões deles. Quero um ano de voz ativa, posso? Acho que depois de 25 anos eu mereço pelo menos um dessa maneira, não é?



segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

FROHLICHE WEIHNACHTEN

O claro e o escuro de esperar e conquistar.




"Lights will guide you home
And ignite your bones..."

*
Dezembro tem um cheiro que nenhum outro mês tem. Cada mês, a propósito, tem o seu. Já pararam para sentir?

Este cheira a etapa cumprida, ciclo encerrado.
Feliz última semana de um longo ano, comprido, porém cumprido.
Lições e lembranças que amadureceram mais uma ruga no meu rosto.
Foi tudo tão exaustivo, mas com lições tão lindas...
Natal lindo, família.
O Gordinho arrumou a árvore sozinho...
...Mas todo mundo viveu o momento de renovação.

FROHLICHE WEIHNACHTEN.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Frohe Weihnachten für den Geist


Feliz Natal para a mente.
Como Ícaro não deixou o pai fazer suspense e contou logo o que era, ganhei antecipadamente o meu presente de natal. Snif! Ameiameiameiameiiiii. Acertou em cheio.
Louca para inaugurar. Alguém?
Ícaro seguirá o meu exemplo e aprenderá ainda criancinha. É algo fantástico, acredite!

Quando eu digo que às vezes meu boffy lê pensamento...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


"Porque há o direito ao grito.
então eu grito."

(Clarice Lispector)


...chegar em casa e ter colo para derramar as lágrimas.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Gott weiss ich will kein Engel sein


Wer zu Lebzeit gut auf Erden
wird nach dem Tod ein Engel werden
den Blick gen Himmel fragst du dann
warum man sie nicht sehen kann

Erst wenn die Wolken schlafen gehen
kann man uns am Himmel sehen
wir haben Angst und sind allein

Gott weiss ich will kein Engel sein

Sie leben hinterm Sonnenschein
getrennt von uns unendlich weit
sie müssen sich an Sterne krallen (ganz fest)
damit sie nicht vom Himmel fallen

Erst wenn die Wolken schlafen gehen
kann man uns am Himmel sehen
wir haben Angst und sind allein

Gott weiss ich will kein Engel sein

Erst wenn die Wolken schlafen gehen
kann man uns am Himmel sehen
wir haben Angst und sind allein

Gott weiss ich will kein Engel sein

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Soberania - Manoel de Barros



Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.


Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros.



Parabéns ao maior poeta em atividade no país por seus 94 anos de paixão e doação à nossa Literatura. Amo!
19/12/2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

mit Zucker, mit Liebe


Pela marca que nos deixa
A ausência de sol que emana das estrelas
Pela falta que nos faz
A nossa própria luz a nos orientar
Doido corpo que se move
É a solidão nos bares que a gente frequenta
Pela mágica do dia
Que independeria da gente pensar
Não me fale do seu medo
Eu conheço inteira sua fantasia
E é como se fosse pouca
E a tua alegria não fosse bastar
Quando eu não estiver por perto
Canta aquela música que a gente ria
É tudo que eu cantaria
E quando eu for embora, você cantará


Dezembro. Férias, família, meninos que arrumam e desarrumam a casa, sossego, estrelas, olhos fechados.

Brinde: Cinema, Leo e Bia.

sábado, 18 de dezembro de 2010

ein Buch mit sieben Siegelns


Não sou de contar segredos (me refiro realmente a segredos, ein).
Mas quando estes são os meus, uma vez ou outra não faz mal a ninguém.

...Especialmente quando estão diretamente ligados à minha alma, digamos assim. É o além-corpo.

Sempre que eu anseio por sair de órbita e enxugar os meus pensamentos, entrando no meu plano de espiritualidade, dou espaço ao meu compositor clássico favorito, Mozart. Isso é uma coisa que não saio comentando por aí. Até porque a fé anda tão banalizada – e tantas vezes esquecida – que os clichês sempre cheiram mais do que a sinceridade. Como eu dizia, não é algo que eu já tenha comentado com alguém. Na verdade até então ninguém sabia, embora eu já tenha mencionado ao meu marido, por exemplo, minha predileção pelo clássico austríaco (estou certa?). E ele não deve nem se lembrar mais, homens!.

Espiritualidade. É algo tão particular quanto o próprio pensamento – se não for externado, ninguém o ouve. Principalmente quando se trata de algo tão intrínseco, como é para mim.

Cada um tem o seu ritual de cura, de relaxamento, de extravasamento, de libertação, de encontro com a espiritualidade. Em alguns dias eu prefiro até caracterizá-lo como “exorcismo”, mas só por completa ignorância etimológica mesmo. - Tem a ver com o Bem, e não com aquele lá embaixo. - Cada um denomina como preferir. Cada um tem seu meio de escape. Uns fazem uso do incenso, por exemplo. Eis um artefato que sinceramente amo, mas que procuro evitar nos dias em que o bebê está em casa. Outros simplesmente deitam em uma banheira quente, acendem o que lhes for conveniente e relaxam (idem). Outros ouvem o seu CD predileto, outros bebem, outros vão à igreja, ou acampam. Outros dormem mais do que o habitual. Alguns preferem o silêncio absoluto. Alguns rezam, somente.

Eu ouço uma música enquanto rezo. É isso. A história dela, aí sim, fica sempre só para mim. Essa eu não conto, nunca. Mas desde então ela passou a ser meu campo de passagem e de êxito, para quando preciso externar meu lado – tão escondido, porém presente – espiritual. Não é fácil chegar à outra dimensão de mim.

Não somente à sua obra, me prendi especialmente a uma predileta. Foi amor à primeira “vista”, há mais de 15 anos. Apresento-lhes, finalmente. No “repeat” do CD, Clarinet Concerto: II. Adagio.

Ela me ajudou a redimir, a me consolar e a me reestruturar nos piores momentos da minha vida. É a trilha de fundo para quando rezo na maneira mais intensa que posso. É um peso das costas que dessa vez e sempre tentarei tirar, mas que ainda assim será história nas minhas lembranças.

Mas a fé ajuda.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

noli me tangere


Este sentimento não é o meu, não é meu. Sempre foi sentido por osmose, devo admitir. Não surgiu daqui de dentro - Veio de fora, para fora. Estou há tempos presa em uma gaiola fria, com as mãos amarradas ao pensamento..., este volta e meia castrado junto ao meu corpo, junto ao que sinto, ao que desejo, e que por sua vez nunca pôde veramente ter vontade própria, seguindo sempre outros passos. É difícil admitir, mas muito mais reconhecer. Enxerguei só agora. Minto. Enxergo desde o começo, mas mascaro.

Sacrifiquei coisas que não tinham culpa de nada por algo que me levou o último suspiro de alegria e juventude.

Que ano. Sorte que não caminho sozinha. Existe você.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

mitonarcisicoeabipolaridade


Vejo-me de relance no reflexo da janela do quarto, agora com planos de cortinas floridas. O que observo me agrada, mas não convém. Tudo ali, rapidamente, estava coerente – tudo fazia sentido. Chego a pensar que nem sempre o reflexo é condizente com a realidade do objeto. É essência? E desse modo caio numa das mais tristes conclusões que já me ocorreram. Quase ninguém gosta de ver-se por completo. Não me refiro ao físico. Não falo da beleza, do corpo, do cabelo penteado. Pena que você limitou seu raciocínio ao julgar isso. Falo do que de fato somos - interiormente; falo dos atos e dos pensamentos. Refiro-me ao que transcende tudo aquilo que imaginamos expor – tudo o que está oculto debaixo das nossas línguas, o não-dito, porém vivido. Temos medo da nossa verdade absoluta (essa, quase uma lenda), temos receio de conhecermo-nos inteiramente. É quase fatal. Isso me faz lembrar o mito de Narciso... Amo.

É tão difícil termos coragem de enxergar aquilo que realmente somos, sem máscaras, ali, diante do espelho – nossa consciência, nosso disfarce ao avesso. O reflexo de relance sempre foi o mais conveniente. Nossa memória seletiva, junto com nossas máscaras, delineiam o protótipo do que achamos que somos... O que eu posso dizer daquele que consegue enxergar além do espelho...? Você não existe, amigo. Mas, caso exista, compro sua vida. Troque-a comigo! Ou será que todos nós podemos, atravessando a noção do que há dentro da gente, enxergar além da miragem? Só sei que ali, no reflexo, eu vi felicidade. E ai de quem negar isso a si próprio.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


No minuto seguinte já não sinto mais o gosto do último gole. É um sabor que já não se fixa no paladar. É o medo de não ter coragem para admitir. É a coragem, propriamente dita, entregue a outra pessoa – eu não sei usá-la mesmo. É o pensamento em outro lugar. As palavras fugindo, quase que pulando pela janela. Livros que ocupam todas as preocupações, que distraem todo o desconforto, com cores e palavras descabidas. Livros que quando unidos com os outros lidos este ano, já vão em 36, eu acho. São 36 desculpas para fugir da realidade. Mascarada, continuo a ir aos mesmos lugares, freqüentando os mesmos recintos que lhe convêm, só para que não perceba que fui embora há muito tempo e que deixei meu corpo aqui.

Não vou precisar dele mesmo.

Sorte que você está ali. Junto com os móveis, estes sempre no mesmo lugar. Junto com as novas cores do apartamento, junto com o novo arranjo da mesa da sala. Junto com a nova e grandiosa árvore de natal.

Retalhos que costurados formam algo completamente diferente do original.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

We know, we'll never forget

Nas arrumações de hoje, ouvindo alguns CDs, lembrei do nosso casamento e da trilha que a compôs. Para ele, a introdução de http://www.youtube.com/watch?v=olnGNkgAE6c&feature=related...

Para mim, http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cbGbm-n-iXc, surpresa feita por ele.

Ambas no piano. Mal sabíamos o que viria pela frente, mas sabíamos: that’s reality, baby! And happiness.

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"No matter what we get out of this

I know, I know we'll never forget"

(Não importa o que ganharemos com isso

Eu sei que nunca esqueceremos)

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"Para sempre é sempre por um triz...”

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:)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

yearsssss


Todo o tempo do mundo começa agora...
Engraçado como as coisas podem dar certo, independente das circunstâncias. - somos sempre o eu e a circunstância, sempre repito... - Mesmo que a maré mude de rota, que o percurso seja desviado e que os anéis escorreguem dos dedos, acho incrível como a vida se encarrega de fluir sempre a nosso favor. Apesar da saudade, apesar de ter que engolir sentimentos, da distância, do vício interrompido daquele cheiro habitual, apesar de precisar esvaziar gavetas e de se desfazer de fotografias antigas (ou, quando muito importantes, apenas guardá-las), a vida jamais deixará de dar certo. É o copo sempre metade cheio. O destino ignora o medo - ele sempre virá com alguma alternativa para qualquer hiato ou vazio. Os sentimentos mais cedo ou mais tarde se renovam, as lágrimas dão lugar à boa e velha taquicardia de uma nova história. Mais cedo do que você imaginava...

Colher por colher, um gole de cada vez, e assim qualquer um conseguirá nutrir a própria felicidade, seja ela diferente a cada esquina.
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A alma humana avança constantemente, mas em linha espiral. 
(JOHANN WOLFGANG VON GOETHE)

domingo, 7 de novembro de 2010

The sounds of silence


Vez em quando é preciso tirar férias de umas pessoas. Aquelas que roubam toda a sua energia, que lhe castram, que roubam a paz, seja de espírito ou não. Que lhe julgam sem nem lhe conhecer a fundo. Que querem opinar sem obter o direito para isso. Há quanto tempo eu não tenho paz de verdade, meudeus? Sempre com julgamentos pré-estabelecidos, críticas, decisões, impedimentos. Se eu fosse contar o quanto andei para trás nos últimos tempos..., tudo por “doação”, na maior da generosidade, querendo acompanhar sempre a vida do Outro, além ego, esquecendo dos meus anseios. - Perdi meu ego, alguém o viu por aí? - Entrei no esquecimento dos anos, vivendo uma vida que não era a minha, mas que eu adaptava de acordo com as circunstâncias, e não era da maneira inata. Fui moldando meu ser a fim de encaixar perfeitamente na vontade de outrem. Sempre fui a que obedecia ordens. A que abdicava, a que abria mão de coisas aparentemente egocêntricas em busca de agradar tudo e todos. Fui sendo cercada e hoje me encontro numa prisão. Nas últimas semanas descobri que a chave estava bem ali – me libertei. Hoje, faço planos para o futuro que dizem respeito a mim, e não aos outros. Não abro mais concessões (essas nunca raras, e sim constantes) e nem desisto de mim. Sou a que acorda de manhã e pensa no que fazer, e não mais em que agradar. Não espero mais a aprovação, tampouco as ordens. Ignoro a castração. Liberto tudo e todos da minha prisão. Na verdade, liberto-me de tudo e de todos os que me prenderam. Há muita coisa acontecendo que os olhos humanos não conseguem enxergar, tampouco meu ceticismo filosófico. Logo eu, sempre crítica e cética, experimentando o novo horizonte do meu próprio percurso.

sábado, 6 de novembro de 2010


A vontade de poder passar o dia inteiro na faculdade, metida em aulas deliciosas e trabalhos enriquecedores sempre baterá de frente com os horários que só uma mãe tem – arrumá-lo para ir à escola, organizar seu lanche, pôr sua mochila em ordem, organizar a casa, arrumar a bagunça, providenciar lista de compras, organizar o jantar, lavar a louça, lavar as fardinhas diariamente, sujas de suquinhos e biscoito. Quando se deseja conciliar as duas coisas, no meu caso (o curso de Filosofia lhe exigirá a leitura de no mínimo 5 livros por semestre, vários textos capciosos – tente entender Heidegger assim de supetão e me ligue, beijos – e muito, mas muito trabalho e várias avaliações. As pesquisas, a bolsa, os grupos de estudo num sábado à tarde. O Cinesofia, sempre imperdível. E por aí vai...) é praticamente impossível. Seja o curso, seja a vida de mãe, um dos dois sairá prejudicado e será administrado pela metade, de forma mal feita. Durante o dia é cientificamente comprovado que é impossível se concentrar em alguma leitura quando seu filho ainda é um bebê e precisa de atenção, quando chama seu nome-de-guerra (mamãe, prazer!) a cada 5 minutos, quando assiste à TV (desenhos sempre musicais e digamos...barulhentos) e exige que você esteja por perto, para fazer companhia. Bem, cientificamente eu não sei, mas particularmente eu diria que é totalmente “peremptoriamente”.

Quando ele finalmente se rende ao sono, isso por volta das 21h ou até mais tarde, duvido que você tenha coragem, coluna, vista, disposição e paciência para começar a ler aquela complexidade em forma de livro. Até porque a cama quente e o marido disposto a assistir a um filme lhe soarão como a tentação em pessoa. Mas, se quiser encarar os livros em um lapso de responsabilidade, vá lá. Tente tomar sua garrafa de café, seu 1L de chá verde, chá mate. Ficará acordada, mas só na teoria. A absorção de conteúdo será tão chula quanto dieta de revista de fofoca. Dormir é a palavra secreta que você gostaria de externar, acertei?

(E se além de ter que estudar você precisar fazer um trabalho, estudar para a prova e fazer pesquisa, boa sorte. Duas palavras: Fu e deu. Sacou?)

Acordará cedo para recomeçar a rotina. E será tudo de novo...Muahahahaha. - Malvada! - Mas é a mais pura verdade.

O pior é que não posso abdicar de nenhuma das duas opções. Elas são vitais para mim, como água e ar. Sem elas minha vida não existe. As duas são fantásticas. O mais difícil é saber como conciliá-las... As pessoas "do lado de fora" não entendem :)

O inferno são os outros. :)

Embora embutida nesse dilema sociopsycofilhisticointelectual, estou feliz.... Aham.

Oculta consciência de não ser, / Ou de ser num estar que me transcende, / Numa rede de presenças e ausências, / Numa fuga para o ponto de partida: / Um perto que é tão longe, um longe aqui. / Uma ânsia de estar e de temer / A semente que de ser se surpreende, / As pedras que repetem as cadências / Da onda sempre nova e repetida / Que neste espaço curvo vem de ti.

[Espaço curvo e finito - Saramago]

terça-feira, 2 de novembro de 2010


O Passado

"Toda teoria sobre a memória encerra uma pressuposição sobre o ser do passado. Tais pressuposições, nunca elucidadas, obscureceram o problema da memória e da temporalidade em geral. É preciso, então, de uma vez por todas, colocar a pergunta: qual é o ser de um ser passado? O senso comum oscila entre duas concepções igualmente vagas: o passado, diz-se, não é mais. Desse ponto de vista, parece que se quer atribuir o ser somente ao presente. Esta pressuposição ontológica engendrou a famosa teoria das impressões cerebrais: já que o passado não é mais, pois desvaneceu-se no nada, se a recordação contínua existindo, é preciso que seja a título de modificação presente de nosso ser; por exemplo, uma impressão marcada agora em grupo de células cerebrais. Assim, tudo é presente: o corpo, a percepção presente e o passado como impressão presente no corpo; tudo está em ato porque a impressão não tem existência virtual enquanto recordação; é integralmente impressão atual. Se a recordação ressurge, é no presente, em conseqüência de um processo presente, ou seja, como ruptura de um equilíbrio protoplasmático no grupo celular considerado. Eis o paralelo psicofisiológico, que é instantâneo e extratemporal, para explicar como esse processo fisiológico é correlato a um fenômeno estritamente físico mas igualmente presente: a aparição da imagem-recordação na consciência. A noção mais recente de engrama não faz mais que adornar esta teoria com uma terminologia pseudocientífico. Mas, se tudo é presente, como explicar a passividade da recordação, ou seja, o fato de que sua intenção, uma consciência que se rememora transcende o presente para visar um acontecimento lá onde ele foi? Assinalamos em outra obra que não há meio algum de distinguir a imagem da percepção se começamos fazendo da imagem uma percepção renascente.

Encontramos aqui as mesmas impossibilidades. Mas, além disso, nos privamos do meio de distinguir imagem e recordação: nem a ‘fragilidade’ da recordação, nem sua palidez, nem seu caráter incompleto nem as contradições que ostenta frente aos dados da percepção podem distingui-la da imagem-ficção, pois esta apresenta os mesmos caracteres; e, por outro lado, esses caracteres, sendo qualidades presentes da recordação, não poderiam fazer-nos sair do presente para ir ao passado. Em vão se invocará a qualidade de pertencer-a-mim da recordação.

A consciência popular, por outro lado, tem tal dificuldade de negar existência real ao passado que admite, juntamente com esta primeira tese, outra concepção, também imprecisa, segundo a qual o passado teria uma espécie de existência honorária. Ser passado, para um acontecimento, seria simplesmente estar recolhido, perder a eficiência ser perder o ser. A filosofia bergsoniana retomou tal idéia: entrando no passado, um acontecimento não deixa de ser, apenas deixa de agir, permanece ‘em seu lugar’, em sua data, para toda a eternidade. Assim, restituímos o ser ao passado, e está certo; até afirmamos que a duração é multiplicidade de interpenetração e que o passado se organiza continuamente com o presente. Mas com isso não encontramos qualquer razão para esta organização ou esta interpenetração; não explicamos como o passado pode ‘renascer’ e infestar-nos, em suma, como podemos existir para nós".



[JEAN-PAUL SARTRE, O Ser e o Nada.]

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Releituras - quando relidas no momento certo - sempre serão mágicas. :) Saudade de net emm casa... Para mim bastaria só um dia, não mais que um dia...
Enquanto isso, entupo o laptop com textos e rabiscos, enquanto a net não se apruma.
Mas feliz...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

puer aeternus für immer


No dia seguinte, amanheci com cheirinho de lavanda no travesseiro. No dia seguinte, me deparo com seus olhinhos sorrindo, despertando ao meu lado na cama. Era dia das crianças, e todas as promessas feitas a mim na noite anterior eu esqueceria, pelo menos naquele dia.

Na noite anterior me peguei sisuda, me sentindo velha..., com cara de séria, fazendo planos, como acontece com qualquer aniversariante que já não tem mais 21 - deliciosos - anos. No dia seguinte ao meu aniversário sempre será dia das crianças. Dia que me trará sempre a certeza de que “não é tão grave assim”..., ainda mais com eles ao meu lado.

Sempre o dia das crianças trará o seu lado mais pueril, principalmente se você tiver filhos. No dia anterior, imaginem bem, estava eu absorta em feições de pessoa séria, como quem sentia mais um ano acumular na carteira de identidade. Foi só amanhecer e a idéia de celebrar a infância tomou conta de todos nós. Acho isso fantástico.

Banho de mar. Castelo de areia. Batata frita. Refrigerante. Sorvete. Brinquedos. Quebra cabeça. Bola de futebol. Massinha de modelar. CDs prediletos. Quadro negro e giz colorido. Suco de melancia. Pitangas colhidas do pé. Esconde-esconde. Nem me pega. Achei você! Biscoito de chocolate. Churrasco. Carrinhos espalhados pela varanda. Celular de personagem. Laptop do mesmo (Criança e sua inocência perante o capitalismo... ). Vento com cheiro de maresia. Sorrisos. Pai, mãe e filho: exaustos ao final da viagem. Papai se lembra que precisa ser adulto de novo e vai ao ensaio, mas a mãe coruja continua ali, até a última hora do dia, pegando carona no direito de ser criança do filho. Cozinhar com a ajuda dele. Sopinha de legumes, hum. Desenhos na TV. Fantoche com as meias do papai. Corta daqui, cola dali. Barbantes, botões, canetas coloridas. Tudo nas meias do pai. Rir com a expressão deste ao chegar em casa - misto de espanto e zanga, mas principalmente de emoção, quando o filho lhe diz: é para vocêêê.

Os dias 11 e 12 são, cada qual à sua maneira, especiais para mim. Em um, me lembro que me distanciei mais ainda dos gloriosos 21 anos, e que estou cheia de planos a serem concretizados. No outro, lembro que não é tão grave assim, e que poderei sempre ser criança por dentro! Exclamações em tom pueril!

Ê!

Parabéns a mim e ao meu filhote, por cada novidade vinda a nós.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

vinte e cinco sobrevivências


"But I feel I'm growing older / And the songs that I have sung / Echo in the distance / Like the sound / Of a windmill going round / Guess I'll always be / A soldier of fortune..."
~
Linda trilha para tal conquista.
Die Kerzen brennen in Freude, Frieden und Glück. Dass meine Wünsche wahr werden.
Há 25 anos peguei um avião para traçar meu destino aqui.
Um quarto de século dramaticamente comemorado com muito amor, abraços, beijos e o mais importante: ao lado da família.
25 velas e 25 desejos nunca serão suficientes, tal qual é a minha gratidão.
Feliz!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

den Hunger eines jeden von uns


Acho fantástico quando nos deparamos com a realidade e resolvemos abrir a cortina dos questionamentos, conformando-se com aquilo que temos. Isso não acontece todo dia, nem com você e tampouco comigo. Não existem pessoas totalmente gratas por tudo o que têm ou pelo que deixaram de ter. Haverá sempre um querer embutido nas vivências, mesmo que aparentemente plenas. Fico feliz que pelo menos hoje acordei sabendo – mais do que sempre soube – que somente com aquilo que já possuo eu posso sim ser feliz, e sou. Hoje aceitei o meu destino. Só por hoje posso afirmar que aprendi mais do que ontem. E só saberei se pude superar o agora quando amanhã eu acordar.

Saboreie sua vida com pitadas de “poderia ser pior”, como quem salpica noz moscada ou gergelim. Pois é assim que as coisas são. Cada um na sua particularidade vive o melhor para si, acredite. A vida destinada a cada um de nós não nos foi dada por acaso ou sem medida. Somos peças importantíssimas de um jogo grandioso, cada uma posta estrategicamente no extraordinário tabuleiro. Cavalo ou peão, dama ou torre... Saboreie. Beterraba, tomate, cenoura, chuchu ou brócolis – haverá um propósito para cada um de nós, seja qual for nosso sabor. Chore, mas chore por compreender, e não por insatisfação. Sorria, mas sorria entendendo o que aquilo trará para sua evolução. Saboreie cada sabor, mesmo que exagere no sal e na pimenta. Nos erros conseguimos as chaves que abrirão as futuras portas. Não há pérola sem sofrimento, não haveria a idéia de bom sem a noção de ruim. As dicotomias estarão na sua vida sem que você permita que elas entrem, pois saiba e lembre muito bem: elas são inatas. Lembre-se disso a cada questionamento, a cada lamentação. Ao final de cada tempero, delicie-se com essa grande salada da vida – legumes tão coloridos e distintos quanto os seus sentimentos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010


Se o deslumbramento agora é subvertido em olhar através da paisagem de concreto do lado de fora da janela, não me admira que eu não saiba mais proferir o lirismo de antes, muito embora isso jamais tenha feito parte de mim. (Olha a modéstia hipócrita e nefasta!). Viver em apartamento está muito longe de ser um completo “lar, DOCE lar”, apesar de ter uma vida gostosa e apaixonada. O concreto por muitas vezes ofusca as cores da felicidade. São paredes hermeticamente posicionadas, passos do andar de cima, botões de elevador, interfone, porteiro e mil carros. São metros e mais metros de estacionamento, o qual comporta carros lado a lado, apesar de não saber que cada um possui a sua história, a sua família. Mas, se eu ignorasse por ora toda essa cena urbana e cotidiana, provavelmente eu falaria da noite anterior de sono em conchinha e de sexo, da temperatura do lençol ao acordar. Falaria. Descreveria meu ato de espreguiçar as articulações e músculos, quase sempre desastrado. Narraria o modo como levo tempo no banheiro entre banho, cremes, escovar os dentes, pentear os cabelos e passar o desodorante, ainda sonolenta. Confessaria meu hábito de voltar escondida para debaixo dos lençóis, só para ser acordada de novo. Falaria dos lapsos metafísicos quando aquela barba roça no meu corpo...É capaz até de na empolgação confessar que na maioria das vezes procrastino o café da manhã para ronronar e babar no travesseiro - e aí eu desconto o apetite no almoço, sempre tarosa por legumes e verduras, mamãe me criou sem frescuras e ao mesmo tempo fresca. Se o chá de erva-doce com hortelã fosse mencionado, com certeza eu falaria que um cigarro tragado na janela o acompanha, às vezes. Entre tais fatos diários, o filhote perambula para cá e para lá, bagunçando de uma forma impressionante e inimaginável (os meus esmaltes no caminhãozinho, o lego dentro do chuveiro, a chupeta do lado do mouse, a mamadeira em cima da televisão, os carrinhos atrás da fruteira), muito embora contida e revertida diariamente. Rituais de faxina e organização – torne-se mãe e saberá o que é isso. Espere seu filho crescer e saberá que não é necessário viver em um mangue para que ele emende gripes, resfriados e catapora em seqüência, porque é isso que acontece, mesmo que você more em um palácio. Isso evitará possíveis indelicadezas.

Eu poderia falar e repetir sempre as mesmas coisas, o gozo, o beijo, a cozinha a dois, os brinquedos, o rock, o vinho, a filosofia, os poemas baratos, as fraldas, as críticas de quem nasceu chata, mas que não as faz por maldade, e sim por inconformismo. Eu poderia narrar diariamente as invasões culinarísticas do meu marido, as tiradas inesperadas do meu filho de 3 anos, os nós do meu cabelo prestes a ser cortado, os livros que enfadonhamente menciono. Mas tudo isso talvez eu já não saiba descrever de 100 maneiras diferentes. Alguns dizem que isso se chama rotina. Uns aqui e acolá preferem balbuciar algo do tipo “tautologia”. Eu digo: é a vida que não troco por nenhuma outra, mesmo que eu perca o latim. Apesar de sorrir sorrisos pontuais e beijar a boca de hortelã fazerem parte de muita gente (e isso é bom!), apesar de as cartas de amor serem tolas... Concordo que falar de amor (para quem vive em constante amar) acaba se assemelhando à rotina, quando não reinventada. Mas sei que todo mundo vai admitir que isso se faz necessário. É disso que o homem vive - de amar algo. Seja um livro ou um shampoo revolucionário. Seja um neto ou aquele aparelho eletrônico. Seja um Cd ou seu Twitter super utilizado. Até o mais convicto dos niilistas ama. Quem não ama uma verdade, afinal?

Apesar de repetitivo, cada vez mencionado o amor é único e original. O Amor é lindo, dane-se se for em maiúsculo ou minúsculo, mas é lindo, mesmo que exista um diferente a cada 3m². E danem-se os filmes pornôs ou as narrativas vulgares: banalizam (ou não) o sexo, mas para mim o ato continua sendo subjetivo e digno de verborragia. Assim como o concreto da rua, pois ele também não tem culpa de nada.

Ich weiß es nicht, aber ich werde


É marrom, mas tem um desenho em tinta óleo, no amarelo, no vermelho, no rosa, no verde, e nas cores que quiserem imaginar. É compacto, cabe na bolsa. É desconexo, mas bem cuidado. É a bagunça organizada de só quem o tem o entende. É uma mistura de quereres...

Olho as páginas do meu caderninho e leio as anotações do que eu quiser guardar no momento. São as aulas de Metafísica, as aulas enfadonhas de Lógica, as aulas de Psicanálise, os exercícios de alemão, o “marcar ginecologista”, a análise dos poemas, o “lembrar de comprar mais couve e pilhas para o relógio; acabou o açúcar”. Tudo junto. Uma página atrás da outra, desrespeitando data e cabeçalho. Não há seqüência. Digo, há seqüência, mas não há lógica a olhos que não sejam meus. Palavras misturadas. Misturados da mesma maneira estão meus afazeres, meus “por fazeres”, nossas roupas no chão...

... Nessa releitura homogênea vejo subjetivamente Sócrates como um personagem arquetípico – ele é o que sabe tanto, mas reconhece que a respeito de nada sabe. Relendo e paginando meu caderninho, concluo que nada, poxa... nada sei. Nada, ainda... Mas o “não-saber” é justamente isso: a busca constante do “saber mais”, é a procura de um logos, ou um pseudo-logos, ou de verdades ou falsas verdades (o que me for conveniente no determinado momento)... Afinal, não sou Narciso ao deparar-se com sua existência: ainda não morreu meu acervo de vivências.

Não sei qual lição tirarei ao final da última página, nem qual objeto de estudo ou de escrita me ensinará mais, tampouco qual a próxima anotação... Mas sei que a última frase da última linha da última folha será: comprar outro caderninho.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

vielleicht, Erinnerungen



Onde está alojado o coração é possível ouvir batimentos constantes, ininterruptos, e isso não é tão óbvio. Mas de onde você está certamente não dá para ouvir que aquilo que pulsa já se tornou efêmero, na metade das horas completas. São como bilhetes de papel guardados em bolsos, estes tão confusos que já nem sei mais quais são, nem de quem são. Se foram meus, procuro e não encontro mais. Talvez eu tenha guardado em algum jeans seu. Bilhetes talvez desfeitos pelo tempo, pela chuva, pela máquina de lavar. O tempo não conserva as coisas sempre da mesma maneira. É como todos os dias ter que polir o mesmo móvel, pois todo dia tem poeira. Se você se esquecer de polir, se esquecerá de como o móvel já foi um dia, e restará apenas a imagem da memória. Debaixo da poeira estará a sua lembrança, mas com outra figura. Lembro de como era a roupa de cama, por exemplo. Por uma ou duas vezes foi esquecido o amaciante, e hoje alguns tons de vermelho desbotaram na totalidade das rosas. Dizem que quanto mais lavado e antigo for o cobertor, mais aconchegante. Não nego. São assim também os sentimentos antigos, eles confortam. É o cômodo, o repouso confiável. Talvez tenham perdido o viço, mas jamais deixarão de ser o que aparentam – porto seguro. É a certeza de que haverá sempre a cadeira no mesmo lugar, quando você cansar as pernas. Haverá o móvel para apoiar seus objetos e compromissos, apesar de empoeirado.

Tal qual a mudança brusca de ventos e temperaturas, preciso conviver com a mudança de dentro. Um homem sem sentimento é como uma porta sem fechadura. De que servirá a madeira sem um objeto que a mude de lugar, de acordo com a necessidade?

Eu não culpo o meu librianismo pelas escolhas quase inconstantes que faço, a cada segundo. Enquanto tomo o café da manhã – forte e absurdamente doce, com leite, por favor... – suspiro. Ao lavar a xícara, desisto. Ao cozinhar os legumes reconsidero; ouço uma música e tudo se mistura de novo no pensamento. Tomo um banho com a idéia na cabeça, e ao deitar para dormir já não tenho mais tanta convicção. Talvez o ronco dele ao meu lado confunda o meu raciocínio e eu vá até a cozinha para beber o centésimo copo de água. Talvez eu fume um cigarro, pense no dia de amanhã e decida que tudo aquilo aconteceu porque deveria acontecer. Talvez eu desista de pular da janela daqui a uma semana, na certeza de que no dia seguinte finalmente acontecerá um milagre e eu amanhecerei com asas, podendo assim voar. Talvez eu deseje não sair mais daquele sofá. Talvez, e quantos talvezes, eu pudesse paralisar o momento para vivê-lo todos os dias. Talvez seja só exaustão. Talvez eu consiga acordar uma hora mais tarde amanhã e minha cabeça então até poderia estar mais relaxada. Talvez eu fosse do tipo que acredita em destino. Quiçá meu coração saísse pela boca. Talvez eu chorasse, lamentando o não vivido. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o que vivi superou tudo. Era o que tinha de ser. Quem sabe depois de concluir o inacabado eu sinta um sono dedutivo e reconfortante. Dou de ombros, deposito o copo na pia, amanhã eu lavo. Volto para o quarto. Roubo um pedaço do seu travesseiro, misturo ao meu, cheiro suas costas e fecho os olhos. Amanhã existirá mesmo que eu não decida nada hoje. Boa noite. Mas não ronque.
Eu sou o eu e as circunstâncias...
Parte II.

Dias de catapora



Clausura, mas em companhia. Um compartilhando o sentimento de impotência perante a dor do outro. Na saúde e na doença, com deleites e descanso. Ele me entendia e eu entendia as queixas dele. Noites e noites de vigília, para que dormindo ele não conseguisse, com suas mãozinhas, tirar as feridas do rosto. Sede, fastio, mau humor. Banhos e mais banhos com violeta, pomadas, vitamina C. Meu cúmplice, meu grude, meu companheiro – até na hora mais difícil. Minha alma primogênita. Alma gêmea.

...mas a clausura...ahhh...

domingo, 26 de setembro de 2010


Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
......................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

(Bandeira)

sábado, 25 de setembro de 2010

Ostra feliz não faz pérola


Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, de pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam uma presa fácil dos predadores.
Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo do mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas, saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário…

Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste… As ostras felizes riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…” Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.

O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.

Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.

Um dia passou por ali um pescador com seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-a em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade; era uma pérola, uma linda pérola.

Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz…”

Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos.
As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores da alma.

Rubem Alves


...É como eu sempre digo... não há pérola sem sofrimento.

pontos de clausura


...E eu aqui. Trancada, com catapora. Rabugenta. Cheia de bolhas. Com febre. Com dor. Enjoando. Sem comer. Sem posição para dormir. Again: bolhas everywhere. Rabugenta, já mencionei? Ainda bem que essa buesta de doença só acontece uma vez na vida, santodeus! Talvez por isso a cachorra seja tão forte.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Umstände nähren mich


Um perfume adocicado, no cantinho de cada orelha. Coleção de cheiros na gavetinha do seu armário. O de passear, o para dormir, o para ir à escolinha, o para brincar, o para não fazer nada, o de reserva... E por aí vai.

Pequenas mãozinhas. Voz suave. Entoa o seu mantra diário como quem me diz que aquela é a minha vida, e nenhuma outra ao redor – mamãe, mamãe... -. Mania de dormir na cama dos pais, todos os dias ao amanhecer. Gruda em mim e rouba todo o meu espaço da cama, delimitado pelo travesseiro. Amanheço com olheiras, mas não abro mão daquele dengo.

Ainda que em seus três anos, já sabe contar piada. Faz-me rir como ninguém. Dá-me sermão quando mudo o canal das duas TVs. Corre pela casa quando balbucio “banho”, mas implora para que eu não desligue o chuveiro, ao final da “sabonetada”. Adora levar brinquedos para o box. Como característica de muitas crianças, ele também tem a sua pronúncia peculiar, e por mais que os mais velhos tentem corrigi-la, defendo-a. Ele nunca mais terá essa idade..., pode falar como quiser e será lindo!

Em transição. Deixando uma das últimas marcas registradas de um bebê (qual mãe não se enche de nostalgia quando o bebê torna-se menino?) – a fralda. Nas inúmeras tentativas ainda não eficientes, o VEJA perfumes da natureza tornou-se o meu grande amigo diário, constante, assíduo. O rosa, o vermelho, o verde...

Inúmeros pacotes de biscoito abertos. Um de leite condensado, um de banana, um de maçã e canela, dois de chocolate – com e sem recheio. Suco de uva soa como néctar. Apaixonado por maçã e banana. Se um dia me disserem que ele é a reencarnação de algum chinês, entenderei perfeitamente o motivo pelo qual ele ama tanto arroz. Apaixonado por cenoura e beterraba. Não passa um dia sem pedir suco de laranja. Jura que me ajuda a arrumar a casa, esfregando uma esponja de Bom Bril na estante... Eu surtaria, mas é ele.

Tem medo de “bruxa má” e morre de ciúmes se algum bebê chega perto de mim ou de suas tias. É apaixonado pela Turma da Mônica, pelo Ben 10, pelo Doug, pela Dora, pelo Cocoricó... pelo...

Nutrimos uma mesma paixão: As Trapalhadas de Flapjack.

Encosta seu nariz no meu, olha no fundo dos meus olhos e sorri, em silêncio. Ama beijinho na ponta do nariz. Faz carinho no meu cabelo, presta atenção nos prendedores da minha franja. Ama bagunçar a cama...é o meu grude. É o grude do papai.

Acorda às 8, mas nunca sozinho – sempre me desperta junto. Até breve, cama. Cozinha e sala. Ligo a TV. Desenho animado, TV Cultura. Bocejo. Liquidificador. Copo de água. Leite Ninho. Banana. Farinha Láctea. Achocolatado. Açúcar. Lavo a louça. Limpo fralda. Volto à cozinha. Café com leite. Coisas a fazer. Mamãe, vem aqui!, Volto à cozinha. Dê-me motivos e não terei frescuras, amo as tarefas domésticas (quando não são obrigatórias). Norah Jones, CD novo. Corto os tomates, ralo a cenoura, cozinho a beterraba, limpo as verduras. O maridão ama o meu purê. Receita da vovó. Mamãe..., e retorno à cozinha. Novamente, ouço um CD. Replay. Dançamos juntos. Arrumo a cama. Beijo o marido com sabor de hortelã. Volto à sala. Decoro todas as músicas de abertura de desenho. Organizo a estante. Arrumo a farda da escolinha. Passo a camisa. Banho. Almoço do filhote. Aula. Almoço, parte II - Salada super caprichada. Azeite e muito molho de pimenta, por favor. Suco. Um cigarro. Descanso. Leitura. Aula. Casa. Verifico o sono do filho. Cama. Filme e amor, até mais tarde. Espero pelo dia seguinte, que já começa - literalmente - ao amanhecer. Apaixono-me pelos meninos que bagunçam meu apartamento. Apaixono-me pelos homens que construiram minha vida. Amanhã, que venha logo... Que seja o mesmo.

Minha vida sem eles não é nada. Piegas? Seria, se não fosse real.
Eu sou o eu e as circunstâncias...
Parte I.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

adorovocês


...Um encontro inesperado, quando o presumível seria o convívio assíduo. Afinal, três pessoas que andam pelos mesmos corredores quase que diariamente, que cursam as mesmas disciplinas, que buscam a Filosofia como nutrição diária...deveriam se encontrar diariamente. Mas tais pessoas vivem suas vidas tão singularmente que em raridade se encontram. E isso é uma pena, porque cada vez que os vejo aprendo bastante...

Foi um encontro não programado, em uma noite de segunda-feira. Goles de cerveja e tragos de cigarros trouxeram à rotina das primeiras aulas da semana uma nova face, com a inevitável essência de sempre, de quando nos encontramos: Filosofia. Dei-me a liberdade de não sentir remorso pela falta na aula.

Tenho sempre a impressão de que tudo conspira para que ao encontrá-los eu sempre ouça exatamente o que preciso para aquele momento. E então foi assim, mais uma vez. Bem assim. De repente. E sutil.

Somos o eu e a circunstância – e aquilo me proporcionou uma longa viagem na volta para casa, até agora. Quando me dei conta, havia conhecido Ortega y Gasset.

sábado, 18 de setembro de 2010

And do a little more nothin' once in a while




Hey, when is the last time you sat down
and had dinner with your kids?
Talked about what's going on in their lives?
Hey, when is the last time you just stopped
and helped somebody out?
I bet you can't remember

Well a lot of people are sayin'
"We're changing for the better"
Well that don't interest me

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for one more day
How it used to be
I like the Simple Life

I wanna get up Sunday mornin'
Go fishin' with my boy
Watch the sunset kick back in my yard
Take my Harley on a real long lazy Sunday drive
And do a little more nothin' once in a while

Yeah Maybe kick my feet up
Watch a little re-run on TV
Laughin' with ol' Barney, Andy and Aunt Bee

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for ONE MORE DAY
How it used to be
I like the Simple Life

Everything's going by so fast
I swear sometimes we just can't see
So caught up in where we're trying to get
Life as we know it, could be gone in a minute

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for one more day
I like the Simple Life
I like the Simple Life
I want the Simple Life

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

meus ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade
"Os ombros suportam o mundo"

Beyond the invisible, through the mirror


Era uma tarde atípica quando tudo aconteceu. E aí me deu o estalo – mais um pedaço do consistente véu saltou dos meus olhos... E acredito que de dentro da caverna eu tenha até dado uns passos adiante, mesmo que míseros, me aproximando da claridade e da lucidez, de onde pertinho costumo passar diariamente, muito embora ainda não habite nelas.

Era uma tarde atípica, como falei. Pelo menos assim a defino hoje em dia, em meio à rotina de filho e marido, faculdade e bukowskiorismo-de-fins-de-semana. Foi em uma terça, quando não tenho aula, nem reunião do grupo de estudos, nem alemão, nem academia, nem casa para arrumar. É o dia de não sair da redoma. Nas terças diferentes dessa eu teria ficado em casa, comendo pipoca e cuidando do pequeno príncipe, lendo um livro e fazendo papinhas, ouvindo música e namorando, arrumando a casa e vivendo a boa rotina. São assim as terças-feiras. Mas nessa decidi ir ao shopping trocar um livro que ganhei de presente, maravilhoso, porém repetido. Nessa terça, por volta das 16h, entrei no carro e segui a avenida, a BR, as ruas e os semáforos. Era um dia chuvoso, - ou plúmbeo, como descreveria Fernando Pessoa... Mas ainda grisalho na minha descrição. Em outra narrativa esse detalhe climático não faria tanta diferença, seria meramente mais um clichê descritivo ou algo do tipo, mas nesta a chuva tem grande importância. Como chovia! Mal se via o metro seguinte de asfalto, mal enxugavam os pingos com o pára-brisa. Os carros marchavam em poucos 60km/h (em média), mas por me encantar um dia assim – chuvoso e úmido - , apenas pus os fones de ouvido e continuei o percurso embaçado. Dobrei algumas esquerdas e direitas e então cheguei ao shopping. Peguei o ticket do estacionamento e procurei uma vaga, mas devido à chuva, todas vagas próximas da entrada já estavam ocupadas. Posicionei o carro lá onde o vento fez a curva, suspirei fundo e não pensei duas vezes: saí andando vagarosamente até a entrada principal, debaixo de uma chuva densa e apressada. Eu estava zen demais para me preocupar com o fato de que me molharia toda...

Foi aí que a chuva se tornou o personagem crucial do enredo. Se não fosse por ela, eu teria seguido direto para a livraria, quiçá comprasse um café no meio do caminho ou olhasse umas vitrines no meio do percurso, mas talvez não fizesse a mesma diferença e até acredito que nem causaria o mesmo impacto do véu e da lucidez como a chuva provocou. Por causa da roupa ensopada e do cabelo molhado, dobrei à direita em direção ao banheiro, e lá entrei.

Como qualquer moradora-padrão de cidade grande impregnada pelo cotidiano maquinal e frígido, adentrei o banheiro olhando para o abstrato (às vezes para o chão, às vezes para o nada, às vezes apenas para aquilo que me interessava no momento: vaso sanitário, espelho, pia) e não dei importância ao que havia em volta (creio que lá dentro estávamos só eu e a senhora que faz a limpeza). Ainda abstraída, sentei a bolsa em cima da pia e rapidamente busquei o pente e uns broches de cabelo. Como já não havia penteado e franja que agüentassem os pingos que levei, penteei tudo para trás, e senti um alívio... puxa! Me dei conta que outro banho de chuva como aquele, sem compromisso, vaidade e programação, só tive quando criança..., aquilo tinha me renovado. Talvez uma experiência frívola, mas ainda assim enorme (quase eterna enquanto durou) e agradável!

Enquanto prendia o rabo-de-cavalo, subitamente a porta do banheiro se abriu com força, sendo empurrada bruscamente. Num ambiente como esse ninguém costuma observar quem entra e quem sai (talvez só a mulher da limpeza), mas por causa do barulho da pancada na porta, me virei para olhar. Entrou uma jovem em direção aos espelhos. Aparentava ter alguns 20 e poucos (muitos?), como eu. Acho que um pouco mais velha. O cabelo, cortado no nível dos ombros, estava solto e seco (provavelmente a chuva não a pegara), mas ainda assim vi molhado o rosto, mesmo que pouco, até acho que vi umas duas lágrimas quase secas, talvez roladas há alguns minutos, um choro contido, quem sabe. Era muito bonita. Muito mesmo. Tinha altura e formas de modelo. Estava vestida num estilo simples: nem desleixada, nem muito enfeitada. Talvez ela tivesse acordado naquele dia com um humor neutro, quem sabe, e olhado suas roupas e escolhido: “hoje me vestirei de coisa alguma.”. E assim ela estava, expressando personalidade alguma na forma de vestir, nada que nos fizesse adivinhar como e quem ela seria e do quê ela gostava. Apesar disso, sabia-se que ela tinha bom gosto. Seu esmalte vermelho me chamou logo a atenção, num lapso de futilidade. Suas mãos eram finas, percebi quando ela as apoiou na bancada da pia, paralelas e palmadas no mármore. Essa posição dos braços fazia com que os ombros se encolhessem curvados para frente, e enquanto isso ela fixava a vista no reflexo do espelho. Inerte. Imóvel. Muda. Não piscava, não piscava, não piscava... Cheguei a achar que ela morrera em pé, bem ali mesmo, talvez numa descoberta de seu logos, como aconteceu com o arquetípico Narciso. A respiração não entregava o estado dela, não estava ofegante nem relaxada. Era uma Monalisa sem sorriso e sem melancolia, misteriosa no seu tom de seriedade incógnita. De tamanha a pausa dela nessa posição, eu e a moça da limpeza não aguentamos e nos entreolhamos por algum segundos, dei de ombros e me virei novamente em direção ao espelho, agora fingindo lavar as mãos. O silêncio naquele banheiro começou a contrariar, aquilo já me intrigava... e pronto: a abstração de quando entrei no recinto foi substituída por “algo de humano ou sensível”. Tentei perguntar algo, está tudo bem, moça, aconteceu alguma coisa, posso ajudar, o que houve, mas não saiu uma palavra do meu devotamento curioso. A “pausa dramática” era tamanha que já me constrangia. Olhei para a moça da limpeza atrás de algum comentário, mas essa já havia desistido de sentir curiosidade e continuou a passar o pano na entrada. E a moça não se mexia. Talvez ela tivesse discutido com o namorado, ou sido demitida, ou algo que se inclua no conjunto de dilemas genéricos. Busquei solitariamente encontrar esses dilemas na sua expressão de Monalisa-sisuda-embora-serena, mas nenhum se encaixava, como era possível? Balbuciei ainda um “caham-caham” na esperança de que ela ouvisse e olhasse para o lado, dando uma pista, saída da bolha, mas foi em vão. Eram apenas ela e o espelho, solidões do reflexo e do objeto que reflete.

Demorei a entender, mas depois de enxugar as mãos e decidir sair dali para beber um expresso e fumar um cigarro no estacionamento, me dei conta... Aquela mulher, aquela mulher: ela nada mais era ali do que um protótipo. Um arquétipo, quem sabe? Nós, seres humanos, reproduzidos em bilhões pelo mundo, mas na intrínseca solidão do mirar o espelho; nós, sempre buscando um logos que nunca chega, respostas que nunca vêm, apenas enxergando o aparente; egos que olham para si da mesma maneira como olhamos nossos umbigos, nunca discernindo o além-reflexo; Narcisos incapazes de evoluírem, solitários nas respostas de sempre, no reflexo de sempre que o espelho lhes dá. É a solidão. O espelho, por sua vez, solitário também ele, pobre coitado, quando se faz obrigado a refletir apenas uma parte do Ser, o que pára na sua frente e vai embora, apenas exibindo o aparente.

Acho que naquele momento entendi o que realmente aconteceu dentro daquele banheiro. Almas gêmeas se encontraram.

change my world oder nicht

Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither wildly as they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.

Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.

Images of broken light which dance before me like a million eyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box,
They tumble blindly as they make their way across the universe...

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Guten Tag! Glücklich!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ser é pensar.


"O filósofo busca ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquanto é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e causalidades como o homem de ciência, enquanto se sente dilatar-se até a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para considerar-se friamente como o reflexo do mundo, essa lucidez que tem o artista dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe projetar essa transformação para o exterior, em versos escritos. O que é o verso para o poeta, aqui, é para o filósofo o pensar dialético."

(Friedrich Nietzsche)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ein Buch mit sieben Siegeln


"O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta."
Vladimir Jankélévitch

Entre os outros e você


Entre um rosto e um retrato
O real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez
Entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre mortos e feridos
Entre gritos e gemidos
A mentira e a verdade
A solidão e a cidade
Entre um copo e outro da mesma bebida
Entre tantos corpos
Com a mesma ferida

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão
Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre americanos e soviéticos
Gregos e troianos *
Entra ano e sai ano
Sempre os mesmos planos
Entre a minha boca e a tua
Há tanto tempo, há tantos planos
Mas eu nunca sei pra onde vamos

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão
Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Eu me sinto um estrangeiro...

Entre a crença e os fiéis
Entre os dedos e os anéis...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Leben ist immer eine enge Anruf


...Um dia ele leu minha mão e me disse grandes verdades, as mais essenciais possíveis. Decifrou meu destino em menos de três linhas na palma da mão, em menos de cinco segundos. Nunca me esquecerei daquela frase...

...Como também nunca sumirá da minha memória o cheiro do incenso no Natal.

Pessoas que marcam nossa infância jamais deixarão de ser importantes. Elas sempre terão um lugar especial nas lembranças.
Haverá sempre um adeus...
Bis bald, seu Tota.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Não se possui o que não se compreende.


"A mais nobre alegria dos homens que pensam é haverem explorado o concebível e reverenciarem em paz o incognoscível."

[Johann Goethe]

domingo, 5 de setembro de 2010

Ohne Musik wäre das Leben ein Irrtum


Sem música a vida seria um erro. Ai, se não fossem os gênios...! Não sei o que seria da minha vida sem música. Nem da sua, nem da dele, nem da nossa. Acho que no meu caminho ter cruzado com alguém do ramo pode ter sido algo que cheira a destino..., ou coincidência, ou ironia, ou algo parecido, ou não. Mas sei que a música rega e inspira. Traduz e define. Resume, limita sem delimitar. Sem limites. Atravessa alma, pensamento, tempo e história. Daqui a vinte anos meu filho ouvirá pela voz do gênio (e de tantos outros) muitas verdades que não teriam a mesma intensidade se ditas em uma conversa normal, ou se apreendidas no cotidiano. Música é o complemento daquilo que chamamos de vida. É o tempero da comida. É o que define cada um como único, na totalidade de uma só melodia. É o todo individualizando, subjetivamente - cada um possui sua interpretação. Cada um sente à sua maneira uma única coisa. E isso é incrível, é surreal - numa só idéia existem tantas particularidades...! É o imortal, o infinito. O eterno. São palavras que possuem total poder sobre nossas idéias. É um meio no qual portas se abrem, deixando entrar filosofia, poesia, literatura, história (é só ouvir Chico, por exemplo, para entender). Como em uma obra de arte, as notas são unidas em perfeita sequência, para então no resultado final a gente eternizar a idéia. É a prova de que duas pessoas não precisam se conhecer intensamente para que uma consiga sentir o que a outra expressou, e nem expressar aquilo que o outro precisa sentir. Ainda assim, de maneira fantástica, elas se completam.