O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

quinta-feira, 31 de maio de 2012

cotidiano


Ao invés do barulho do despertador comum, acordar com uma seleção de músicas prediletas. Levantar da cama depois de uma longa espreguiçada, colocar os pés descalços no chão e sentir o gelado do clima do começo da manhã. A franja no rosto, mas tudo bem. Dessa maneira, andar até a cozinha, tomar um copo d'água, colocar o leite para esquentar e fazer a mistura perfeita com café e adoçante, de modo que fique bem docinho. Entrar no quarto do pequeno e ver que ele já me espera com um sorriso lindo, bem grande. Tomar um banho quente e depois banhar o pirralho, vesti-lo com a farda e preparar a vitamina mais gostosa do mundo para que ele beba enquanto assiste ao desenho preferido. Organizar a mochila, revisar as tarefinhas, fazer check-in na agenda da escola. Preparar o lanche, sem esquecer da toalhinha. 

Logo em seguida, a roupa já começa a ser remexida, bem cedo. O cheiro de amaciante começa a perfumar a casa, junto ao perfume que foge da cafeteira, à medida que abro a janela e o vento fresco entra pelo apartamento. Ligo o som, abro o material da faculdade, termino os relatórios, mas confesso que às vezes finjo que não preciso fazê-los e vejo algum filme bom. 

Já é meio do ano e parece que a cada dia os dias são mais curtos, na verdade mais longos, as horas é que passam mais depressa. Como é possível? Já é noite quando me dou conta de que estou morta de cansada, mas doida que chegue amanhã de novo, para recomeçar os pormenores. Um banho quente, um creme doce e meias felpudas finalizam a noite. Filho limpo e cheiroso já deitado e dormindo. Agradeço por mais um dia de saúde e inteligência para ele. Sorrio enquanto me ajeito no travesseiro, agradecendo por tudo durante mais um dia bom. Peço tudo outra vez. O bom dia perfumado, as obrigações que dão dor de cabeça, a companhia do filho, as risadas irritantes da vizinha que quebram a minha concentração, a textura das pantufas, o sabor das gostosuras e o azedinho do suco de limão. E todo o resto, e sempre, e não sei como não percebem as peculiaridades dos dias.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Buarque em Natal - faz de conta que é parte I


Entre todas e tudo, quando tudo aquilo só parecia um sonho, ele cantou uma das minhas prediletas, cuja empatia se deu na primeira vez em que ouvi Chico Buarque, quando era criança. Desde então é a canção que me faz olhar para dentro, conversar com as idéias e perdoar-me, sempre, em letra e melodia. É sempre quando recomponho o pensamento e sincronizo todo o interior. Perdoo-me. Ontem, nessa hora, eu só consegui fechar os olhos e chorar muito, muito, muito. Consegui sentir a textura do meu travesseiro do meu quarto na adolescência, a cor da parede iluminada pelo sol da tarde, após a aula, o vento que o ventilador do teto faria no lençol e nas páginas dos livros que eu deveria estudar e procrastinei para a noite, a espera e a lembrança dos fatos de cada dia, os dilemas que me angustiavam e eu de repente esquecia, a paixão por minha família, o desenho que a fresta da janela fechada faria na cama daqui a pouco, formando um leque. O perfume doce que eu usava, a cor das meias de minha predileção, o cabelo descendo a cama até o chão, as camisetas sempre me cobrindo o corpo miúdo. E mais uma vez me equilibrei. Injetaram-me nostalgia mais uma vez. 

É comum, embora raro, perdoarmos os outros. Mas poucos perdoam a si mesmos, e é essa vertente que carrego em Desalento, desde pequena. Não tem a ver com os outros, mas sim comigo. Eu nunca fui de interpretar algo da maneira aparente mesmo. Sempre levei para o lado B, digamos, aquilo que não é necessário mais ninguém captar. Toda aquela interpretação ao modo "português do ensino médio" nunca me foi suficiente. E por isso esse momento foi tão especial para mim, no show de ontem. Foi a vida dentro do sonho, sendo esse todo o espetáculo, sendo a vida o momento da canção. Aquilo que só eu entenderia. Aquele momento que ninguém tiraria. Poderiam ficar com todas as outras quase duas horas de show, nesse dia, pois só esta me bastava - a música que penetrou minha alma em muitos momentos do meu crescimento, desde criança. Em suma, perdoei-me, mais uma vez, pelas descidas durante a vida, pelos desalentos, e em cada vez que renovo o laço, renovo desde a passagem mais recente até a primeira, sempre em recapitulação, como sendo um prolongamento, uma bagagem completa, e sempre na verdade é, parafraseando o pedaço de Goethe e Fausto que carrego no braço, e relembro tudo mais uma vez, e hoje eu sou uma nova pessoa, de novo. 

terça-feira, 29 de maio de 2012

replace

Melhor do que o hábito de escrever acredito que seja o de reescrever, movida pelo discernimento e pela sinceridade de sentimentos. Quanto mais honesto um pensamento, melhor para tudo e todos. Quando tudo se clareia, as coisas certamente fluem melhor. De sobressalto preferi reconstruir os pensamentos, talvez isso me ajudasse. Tudo está ao nosso favor, é só questão de saber reconhecer. Reler tudo e reformular as idéias, de modo que assim a inevitável interpretação alheia não me perturbe pela minha exigência de privacidade é importantíssimo. - pois assim foi.  Tudo reescrito e repostado. Acho isso até um pouco irônico. Isso tudo de ter que reformular as idéias por causa da hermenêutica equivocada dos outros e coisa e tal, ser interpretada não como eu queria, mas de acordo com o mundo dos outros. Ainda mais aquelas pessoas que chegam por curiosidade, que nem são tão convidadas ou convidativas assim. Mas eu nem me incomodo mesmo. Mas se é assim, foi bem melhor pra mim, de qualquer maneira. Toda a Luz que existe me completou hoje, por alguns acontecimentos e por coincidência, e marco a reconstrução exterior junto à minha interior, aproveitando a inspiração. E depois falo da Luz, ou não. E fim.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Leben Geist

Naquele dia preferi deixar o carro na garagem, movida por alguma intuição que pendia à necessidade de caminhada. Embora eu andasse a passos longos, mesmo que não estivesse apressada, percebia a movimentação quase nula da rua. Encontrei dobrando a esquina da longa rua um senhor, já grisalho e muito distinto, vestido à moda antiga, perdido entre as calçadas, sem saber escolher o sentido certo de sua andada. Deu-me bom dia, respondi da mesma maneira. Parou ao meu lado, deduzi que ele queria falar algo. Assim, também parei. Perguntei-lhe o nome, e ouvi alguma coisa que meus ouvidos não conseguiriam traduzir. Dei de ombros, sorri, e ele me respondeu com um sorriso. Olhou em direção ao meu pulso e viu que ali havia um grande relógio dourado, e então me perguntou se eu não tinha medo de que me roubassem o tempo. Sorri. Mal deu tempo para que eu respondesse e ele perguntou-me as horas, como quem não quer perder a viagem. Eu me lembro - disse ele -, lembro bem de quando ela tinha a sua idade. Pedi-lhe as horas, recebi em troca um sorriso, café todas as manhãs, ternura, três filhos, alguns netos, uma boa casa e grandes lembranças. Hoje, veja só, eu estou longe de todos eles, mas não tem nada. Hoje, também, estou perdido. Amanheci com a liberdade de ir aonde eu quiser, mas também com saudade de algo que jamais voltará, porque já foi vivido. Resolvi começar por aqui. É o começo.

Mesmo que aquilo por si só já tivesse me emocionado, não entendi a razão do desabafo. A arbitrariedade de tudo o que sentimos necessita sempre da percepção que lhe caiba. Ainda assim, permaneci atenta. Enquanto ele tirava o lenço do bolso para enxugar a testa, disse-me que daqui a pouco choveria, e que seria melhor que eu voltasse em casa para fechar as janelas, assim não molharia o tapete da sala. E concluiu: nem todo mundo cultiva o pensar numa sala onde há televisão. Sorri. Eu vi que nele havia algo de empolgação e frescor, como quem sobe as escadas de uma escola nova, no seu primeiro dia de aula. Era como se fosse um novo dia de uma vida nova. Perguntei sobre seus filhos. Não que eu me interessasse pela vida dos outros à primeira vista, mas sim porque achei que pelo fato de ele ter mencionado, achei que haveria relevância para o dia dele se por acaso alguém compartilhasse a lembrança. Confuso, ele resumiu as sílabas. Olhou-me com todo o pesar do mundo contido em meio às suas rugas, como se, melancólico, relembrasse seus quem sabe oitenta e alguns anos, mas não estava triste. Ao mesmo tempo, expressava perfeitamente no rosto todo o peso de sua sabedoria, coisa de quem já viveu tanto que por si só já é grandioso. Foi tudo muito lindo. – continuou - Uma longa vida. Um traço perfeito. Ame seus personagens, minha filha, ame seus personagens. Eles não vieram à toa.

Sorri, transparecendo carinho, e era só o que eu fazia, não sei dizer por quê, e poderia ter respondido a tudo isso, mas não sei por qual razão apenas sorria. E enquanto ele falava e admirava as flores que saltavam do muro de uma casa do bairro, percebi que não se preocupava com as deformidades da calçada. Andava sem olhar para o chão, sem apoio, bengala, ou coisa que o valha.  Era como se uma leveza atípica lhe tomasse, como um enfermo que de um minuto a outro ganha vida em suas pernas e decide atravessar a praia. Senti-me uma tola desdenhando a paisagem do céu.

Lembro que logo depois começou a chuviscar. Ele continuou: Sei que cada dia é um mestre. Sei que nem sempre é fácil o fato de pensarmos. É, o pensamento é uma longa viagem. Da hora que acordamos à hora de ir dormir. É complicado, você sabe, pensar... temos sempre que tomar decisões, decidir por isso, por aquilo, mesmo que a gente não perceba, já está decidindo alguma coisa. É o verbo da vida, decidir, sabe. Você decide o minuto de obedecer ao despertador, decide a quantidade de xampu, decide a cor das meias, decide. Mesmo que seja para decidir entre manteiga e geleia, água e chá. Mas a gente tem que resolver o tempo todo, e isso deveria cansar, não é, mas não cansa, é incrível. E nisso cultivamos vínculos, construímos nosso acervo de memórias e companhias, por toda a vida. Meus amigos e minha família, do mesmo jeito é pra você. É desse jeito. Temos os dias em que tudo é delicado demais, com muito pouco a linha se parte. Há dias mais suaves, e por aí vai. Mas há o grande dia em que a gente simplesmente some, acabou o tempo, acabou a hora. A gente vai embora, e é impossível voltar. Aí a gente lembra de tudo como um filme, e vê um monte de coisinha que antes não tinha percebido, mas que ainda assim vivenciou, e sente saudade e fica feliz por ter finalizado as metas. E você pensa que só porque há saudade significa que algo ficou inacabado? Não, minha jovem, a gente sempre vai na hora certa. TUDO vai na hora certa. Acho que você entende o que é isso. Você aprendeu bem, é, você sabe aprender. Você será muito feliz, porque decidiu as coisas certas. Se algum dia lhe sobrarem dúvidas, lembre-se disso. Sei que cuidam de você. Cuidam muito bem. Mas me diga, você se lembra que dia é hoje?


Não preciso dizer que simplesmente sorri. Acho que naquele dia eu acordara sem muita agilidade para pensar em respostas, apenas para me admirar com o inexplicável. Era como se eu conhecesse aqueles olhos. Era como se eu fosse a moradia daquelas palavras. Mas não sabia por quê. Tudo soava como folhear fotografias antigas. O que era chuvisco se transformou em pingos grandes - começava a chover forte. Olhei para o céu e até onde meus olhos conseguiam enxergar só pude ver cinza. Baixei a vista e já ia esboçar um “ih, e num é que vai chover?”, mas o senhor simplesmente havia desaparecido.

Olhei para o relógio e percebi que ele estava parado no dia 23. Procurei o botão para corrigir a data, mas acho que ele havia caído. No chão, encontrei um papel de confeito, desses antigos, redondos, e me lembro que eu comia na casa dos meus avós quando era pequena, e lembro que era aquele que fazia toda criança se engasgar. Lembro que meu avô adorava. Lembro que comíamos sempre juntos, acho que nem fabricam mais... E, imediatamente, com um nó na garganta - não pelo confeito, mas sim pela memória, lembrei que ontem, dia 23, foi o aniversário de morte do meu avô.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

tempo que cuida


Futuro do pretérito - eu ofereço às coisas que jamais valeriam de novo, por ser especial uma vez só no tempo, para tudo o que não mais preenche, creio, para as cenas que não se encaixam nas alegrias de hora em hora. Tá tudo bem, e é assim mesmo. É muito bom haver opção que realize o Outro - afinal assim é a vida, e que assim seja então. Enquanto isso, tolos se desesperam por não perceberem o que o destino de fato é - quando o passado já passou demais para que volte à paisagem, afinal não sou a pessoa ideal para saber disso. Só dispenso as frases compridas de quem me observa, não me interessava antes, tampouco agora, das melhores coisas que já reconheci no meu leque de boas decisões foi me afastar de quem não me faz bem - por hora acrescento sempre mais do mesmo. Mas sorrio. 

O tempo é bom e o percurso, mesmo que sejamos o motorista da nossa própria vida, é maravilhoso. Basta seguir os direcionamentos corretos. Vontade de guardar tudo em vidrinhos, em pinceladas, em melodias, no vaso de flores, na prateleira da sala,  em todos os cantos aos quais me refiro - para tudo novo outra vez,  porque é tudo aprendizado, embora eu lamente e muito o fracasso dos outros, mas  ainda assim desejando a todos o que quero para mim: o que convém ao sorriso. Contemplo as chances que me visitam por mérito, sim, mérito. Afinal, a vida se resume em fazermos por onde adentrarmos a vida dos outros, sejam eles amigos, familiares, amores, amoras, flores ou cerejas. E só deixo que visitem a minha vida se acaso demonstrarem que têm por onde eu lhes devolver merecimento. Temos que mostrar, demonstrar, retornar - dia após dia - que valemos à pena uns aos outros. Alguém tem que provar que merece bater à sua porta.

No abajour que não se acendeu vejo o reflexo de coisas novas. Vejo sombras, vejo flores. Fogos de artifício, de dentro para fora - músculos que estalam na química da epiderme; Muito vento em volta, gosto de mel, limão, café, morango, e o amargos dos cigarros, e da ausência deles, e a ternura dos goles de vinho ou o suspense das doses quentes do whisky, ou tanto faz, se é tudo novo ou se vem devagar - ou só amanhã, ou só depois, mas é, como se fosse uma outra capa - vermelha, azul, preta, amarela... - para outra tempestade, nova, ainda que  com suas estações que lhe acompanham no novo ciclo.



quarta-feira, 9 de maio de 2012

When I get to the bottom I go back to the top of the slide

Um coração frágil como um brinquedo e forte como um leão, que oscila dentro da capa protetora, que sobrevive em meio à fumaça, que vibra na melodia, que explode a cada corrida, que sossega em meio às palavras. Olhei um ponto vermelho no plano branco da constante paz. É um sentimento brotando ou um pedaço de ternura. A paz nem sempre é branca, mas é sempre bela. É só uma verdade em meio aos fracassados. É a reserva do combustível quando o tráfego não se move. É a via de escape para a vida, quando o preguiçoso dá a sua vez ao futuro. O orgulho é como mofo e ferrugem. É o veneno do Outro. Quando ser a caça se torna enfadonho, diante de um caçador que assim se denomina, mas que jamais mexe os seus pés a um palmo à frente - o ponto vermelho do branco da idéia combina com as cores do papel de parede. E é muito bem recebido com um sorriso que atravessa os lados do rosto.

mil livros e mil mundos
planos que nada combinam com as horas de ontem, mas que acolheriam e sempre acolherão o mundo
o relógio parado
o tempo em inércia
como se nunca tivesse passado
mês após mês,
nove
oito
sete
seis
cinco...

Somos as nossas atitudes e também as que os outros não tomam -
há dia de esquecer, há dia de lembrar.
há dia de se reencantar.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Die Zukunft ist richtig, per Gesetz

De uma hora pra outra apertaram alguma espécie de botão, desses que regulam a gravidade por onde pisamos. Comecei a flutuar dentro da boa notícia recebida, como quem se joga no vento, como um sim em sinfonia, como uma gaiola destrancada, como uma bolha de sabão, longe de estourar, longe de ser efêmera e perto, bem perto de ser o começo da próxima jornada. Os pés no chão eu não esqueço. Mas por ora só flutuo. De um canto a outro, equilibro um sorriso desengonçado, me perco entre a ansiedade e a ânsia, mas já é tudo tão concreto que só sei pular. Estudo nunca é demais. Bora lá.

Feliz!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Because the wind is high it blows my mind

Apaguei a luz do abajur, mas ainda assim o sonho veio. Encontrei-lhe, entre os cheiros, bem mais perto do que esperava. Concluí coisas que antes preferiria evitar. Por causa do vento forte, minhas idéias se misturaram.  Solucei antes de abrir os olhos, vi que entrei bem mais fundo do que pensava. E o céu não deixou de ser azul. Engoli a saudade no amargo do café, disfarcei com pedaços de tangerina e saí para caminhar - mais distante do quarto eu escondo a vontade.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

here comes

A vida oscila como um pêndulo de chumbo, alternamos entre os estados de espírito, desviamos o corpo da força contrária. O Homem quer terra à vista, mas se recusa a gastar forças para nadar até a margem. Termina por afogar-se no nada. O conforto das almofadas impede-nos de movermos as pernas. As palavras são flechas, salvam ou matam. Torno-me o cristal que com muito tempo se lapida, mas dificilmente se quebra. Reluzo cores e formas, giro como um caleidoscópio. No sofrimento da ostra nasce a beleza da pérola, a dor do parto da existência recepciona a verdadeira vida, a cicatriz coça para depois sarar. Para germinar a rosa, há de lembrar que toda beleza é frágil, e que por isso os espinhos são necessários para a sua proteção. Da garganta à boca percorre a voz um longo caminho, recebendo ordens do pensamento. Tal como os músculos, é pela repetição que fortalecemos uma idéia. Pela falta de estímulos, a mesma acaba por atrofiar. Há de girar de acordo com a grande roda. Antes a polissemia das vírgulas ao decisivo ponto. 

LUTO - Tia Nerina

Parte da nossa vivência existe naqueles que fizeram parte da nossa história, concretizando os degraus familiares. Quando um elo se rompe e é chegada uma despedida, existe a certeza de que a partida é o recomeço do Outro. Migramos apenas, um a um, para outro lugar. Como páginas grossas de um livro que jamais termina, formamos nossa existência apoiados nos familiares - crescemos e multiplicamos o mesmo sobrenome. Lembramos com carinho e despedimo-nos de quem já cumpriu o percurso, guardando saudades e salientando o afeto construído. A memória é o consolo do adeus - a vida lapida a morte, a morte lapida a vida. A tristeza e as lágrimas se convertem em preces, logo mais tudo recomeça. A saudade começa hoje.

“Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.” 
[Allan Kardec]

"Morrer não é acabar, é a suprema manhã."
[Victor Hugo]

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Quiet is the new loud

Há dias em que nos preenchemos de pequenas coisas para não repararmos no grande buraco negro das grandes faltas. Fazemos da verdade um completo segredo (porque não convém a quem, mesmo?!). Os mesmos atores incorporam novos personagens, no seriado já existente. Como um faz de conta das próprias vidas, como o tempero que excita os paladares triviais. É como se víssemos as mesmas coisas de sempre, mas de ponta cabeça. Outra perspectiva, e não sabemos se enganamos a nós ou às outras pessoas do enredo. Basta fechar os olhos e tudo pode acontecer. Um cafuné, um filme, frapê de café, almofadas, vento frio, pão de queijo, cerejas e vinho, tragos amargos e chás vermelhos, perfumes atravessadores e timbres desconhecidos no primeiro contato. Tato e arrepios. Ligações e mensagens disfarçadas. E só no cafuné já faria toda a diferença. Basta imaginar.