O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

domingo, 26 de setembro de 2010


Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
......................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

(Bandeira)

sábado, 25 de setembro de 2010

Ostra feliz não faz pérola


Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, de pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam uma presa fácil dos predadores.
Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo do mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas, saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário…

Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste… As ostras felizes riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…” Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.

O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.

Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.

Um dia passou por ali um pescador com seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-a em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade; era uma pérola, uma linda pérola.

Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz…”

Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos.
As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores da alma.

Rubem Alves


...É como eu sempre digo... não há pérola sem sofrimento.

pontos de clausura


...E eu aqui. Trancada, com catapora. Rabugenta. Cheia de bolhas. Com febre. Com dor. Enjoando. Sem comer. Sem posição para dormir. Again: bolhas everywhere. Rabugenta, já mencionei? Ainda bem que essa buesta de doença só acontece uma vez na vida, santodeus! Talvez por isso a cachorra seja tão forte.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Umstände nähren mich


Um perfume adocicado, no cantinho de cada orelha. Coleção de cheiros na gavetinha do seu armário. O de passear, o para dormir, o para ir à escolinha, o para brincar, o para não fazer nada, o de reserva... E por aí vai.

Pequenas mãozinhas. Voz suave. Entoa o seu mantra diário como quem me diz que aquela é a minha vida, e nenhuma outra ao redor – mamãe, mamãe... -. Mania de dormir na cama dos pais, todos os dias ao amanhecer. Gruda em mim e rouba todo o meu espaço da cama, delimitado pelo travesseiro. Amanheço com olheiras, mas não abro mão daquele dengo.

Ainda que em seus três anos, já sabe contar piada. Faz-me rir como ninguém. Dá-me sermão quando mudo o canal das duas TVs. Corre pela casa quando balbucio “banho”, mas implora para que eu não desligue o chuveiro, ao final da “sabonetada”. Adora levar brinquedos para o box. Como característica de muitas crianças, ele também tem a sua pronúncia peculiar, e por mais que os mais velhos tentem corrigi-la, defendo-a. Ele nunca mais terá essa idade..., pode falar como quiser e será lindo!

Em transição. Deixando uma das últimas marcas registradas de um bebê (qual mãe não se enche de nostalgia quando o bebê torna-se menino?) – a fralda. Nas inúmeras tentativas ainda não eficientes, o VEJA perfumes da natureza tornou-se o meu grande amigo diário, constante, assíduo. O rosa, o vermelho, o verde...

Inúmeros pacotes de biscoito abertos. Um de leite condensado, um de banana, um de maçã e canela, dois de chocolate – com e sem recheio. Suco de uva soa como néctar. Apaixonado por maçã e banana. Se um dia me disserem que ele é a reencarnação de algum chinês, entenderei perfeitamente o motivo pelo qual ele ama tanto arroz. Apaixonado por cenoura e beterraba. Não passa um dia sem pedir suco de laranja. Jura que me ajuda a arrumar a casa, esfregando uma esponja de Bom Bril na estante... Eu surtaria, mas é ele.

Tem medo de “bruxa má” e morre de ciúmes se algum bebê chega perto de mim ou de suas tias. É apaixonado pela Turma da Mônica, pelo Ben 10, pelo Doug, pela Dora, pelo Cocoricó... pelo...

Nutrimos uma mesma paixão: As Trapalhadas de Flapjack.

Encosta seu nariz no meu, olha no fundo dos meus olhos e sorri, em silêncio. Ama beijinho na ponta do nariz. Faz carinho no meu cabelo, presta atenção nos prendedores da minha franja. Ama bagunçar a cama...é o meu grude. É o grude do papai.

Acorda às 8, mas nunca sozinho – sempre me desperta junto. Até breve, cama. Cozinha e sala. Ligo a TV. Desenho animado, TV Cultura. Bocejo. Liquidificador. Copo de água. Leite Ninho. Banana. Farinha Láctea. Achocolatado. Açúcar. Lavo a louça. Limpo fralda. Volto à cozinha. Café com leite. Coisas a fazer. Mamãe, vem aqui!, Volto à cozinha. Dê-me motivos e não terei frescuras, amo as tarefas domésticas (quando não são obrigatórias). Norah Jones, CD novo. Corto os tomates, ralo a cenoura, cozinho a beterraba, limpo as verduras. O maridão ama o meu purê. Receita da vovó. Mamãe..., e retorno à cozinha. Novamente, ouço um CD. Replay. Dançamos juntos. Arrumo a cama. Beijo o marido com sabor de hortelã. Volto à sala. Decoro todas as músicas de abertura de desenho. Organizo a estante. Arrumo a farda da escolinha. Passo a camisa. Banho. Almoço do filhote. Aula. Almoço, parte II - Salada super caprichada. Azeite e muito molho de pimenta, por favor. Suco. Um cigarro. Descanso. Leitura. Aula. Casa. Verifico o sono do filho. Cama. Filme e amor, até mais tarde. Espero pelo dia seguinte, que já começa - literalmente - ao amanhecer. Apaixono-me pelos meninos que bagunçam meu apartamento. Apaixono-me pelos homens que construiram minha vida. Amanhã, que venha logo... Que seja o mesmo.

Minha vida sem eles não é nada. Piegas? Seria, se não fosse real.
Eu sou o eu e as circunstâncias...
Parte I.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

adorovocês


...Um encontro inesperado, quando o presumível seria o convívio assíduo. Afinal, três pessoas que andam pelos mesmos corredores quase que diariamente, que cursam as mesmas disciplinas, que buscam a Filosofia como nutrição diária...deveriam se encontrar diariamente. Mas tais pessoas vivem suas vidas tão singularmente que em raridade se encontram. E isso é uma pena, porque cada vez que os vejo aprendo bastante...

Foi um encontro não programado, em uma noite de segunda-feira. Goles de cerveja e tragos de cigarros trouxeram à rotina das primeiras aulas da semana uma nova face, com a inevitável essência de sempre, de quando nos encontramos: Filosofia. Dei-me a liberdade de não sentir remorso pela falta na aula.

Tenho sempre a impressão de que tudo conspira para que ao encontrá-los eu sempre ouça exatamente o que preciso para aquele momento. E então foi assim, mais uma vez. Bem assim. De repente. E sutil.

Somos o eu e a circunstância – e aquilo me proporcionou uma longa viagem na volta para casa, até agora. Quando me dei conta, havia conhecido Ortega y Gasset.

sábado, 18 de setembro de 2010

And do a little more nothin' once in a while




Hey, when is the last time you sat down
and had dinner with your kids?
Talked about what's going on in their lives?
Hey, when is the last time you just stopped
and helped somebody out?
I bet you can't remember

Well a lot of people are sayin'
"We're changing for the better"
Well that don't interest me

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for one more day
How it used to be
I like the Simple Life

I wanna get up Sunday mornin'
Go fishin' with my boy
Watch the sunset kick back in my yard
Take my Harley on a real long lazy Sunday drive
And do a little more nothin' once in a while

Yeah Maybe kick my feet up
Watch a little re-run on TV
Laughin' with ol' Barney, Andy and Aunt Bee

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for ONE MORE DAY
How it used to be
I like the Simple Life

Everything's going by so fast
I swear sometimes we just can't see
So caught up in where we're trying to get
Life as we know it, could be gone in a minute

I like the simple life
The way it used to be
We left our doors wide open
We didn't need no key
I've been around the world
Seen all there is to see
I'd trade all those memories for one more day
I like the Simple Life
I like the Simple Life
I want the Simple Life

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

meus ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade
"Os ombros suportam o mundo"

Beyond the invisible, through the mirror


Era uma tarde atípica quando tudo aconteceu. E aí me deu o estalo – mais um pedaço do consistente véu saltou dos meus olhos... E acredito que de dentro da caverna eu tenha até dado uns passos adiante, mesmo que míseros, me aproximando da claridade e da lucidez, de onde pertinho costumo passar diariamente, muito embora ainda não habite nelas.

Era uma tarde atípica, como falei. Pelo menos assim a defino hoje em dia, em meio à rotina de filho e marido, faculdade e bukowskiorismo-de-fins-de-semana. Foi em uma terça, quando não tenho aula, nem reunião do grupo de estudos, nem alemão, nem academia, nem casa para arrumar. É o dia de não sair da redoma. Nas terças diferentes dessa eu teria ficado em casa, comendo pipoca e cuidando do pequeno príncipe, lendo um livro e fazendo papinhas, ouvindo música e namorando, arrumando a casa e vivendo a boa rotina. São assim as terças-feiras. Mas nessa decidi ir ao shopping trocar um livro que ganhei de presente, maravilhoso, porém repetido. Nessa terça, por volta das 16h, entrei no carro e segui a avenida, a BR, as ruas e os semáforos. Era um dia chuvoso, - ou plúmbeo, como descreveria Fernando Pessoa... Mas ainda grisalho na minha descrição. Em outra narrativa esse detalhe climático não faria tanta diferença, seria meramente mais um clichê descritivo ou algo do tipo, mas nesta a chuva tem grande importância. Como chovia! Mal se via o metro seguinte de asfalto, mal enxugavam os pingos com o pára-brisa. Os carros marchavam em poucos 60km/h (em média), mas por me encantar um dia assim – chuvoso e úmido - , apenas pus os fones de ouvido e continuei o percurso embaçado. Dobrei algumas esquerdas e direitas e então cheguei ao shopping. Peguei o ticket do estacionamento e procurei uma vaga, mas devido à chuva, todas vagas próximas da entrada já estavam ocupadas. Posicionei o carro lá onde o vento fez a curva, suspirei fundo e não pensei duas vezes: saí andando vagarosamente até a entrada principal, debaixo de uma chuva densa e apressada. Eu estava zen demais para me preocupar com o fato de que me molharia toda...

Foi aí que a chuva se tornou o personagem crucial do enredo. Se não fosse por ela, eu teria seguido direto para a livraria, quiçá comprasse um café no meio do caminho ou olhasse umas vitrines no meio do percurso, mas talvez não fizesse a mesma diferença e até acredito que nem causaria o mesmo impacto do véu e da lucidez como a chuva provocou. Por causa da roupa ensopada e do cabelo molhado, dobrei à direita em direção ao banheiro, e lá entrei.

Como qualquer moradora-padrão de cidade grande impregnada pelo cotidiano maquinal e frígido, adentrei o banheiro olhando para o abstrato (às vezes para o chão, às vezes para o nada, às vezes apenas para aquilo que me interessava no momento: vaso sanitário, espelho, pia) e não dei importância ao que havia em volta (creio que lá dentro estávamos só eu e a senhora que faz a limpeza). Ainda abstraída, sentei a bolsa em cima da pia e rapidamente busquei o pente e uns broches de cabelo. Como já não havia penteado e franja que agüentassem os pingos que levei, penteei tudo para trás, e senti um alívio... puxa! Me dei conta que outro banho de chuva como aquele, sem compromisso, vaidade e programação, só tive quando criança..., aquilo tinha me renovado. Talvez uma experiência frívola, mas ainda assim enorme (quase eterna enquanto durou) e agradável!

Enquanto prendia o rabo-de-cavalo, subitamente a porta do banheiro se abriu com força, sendo empurrada bruscamente. Num ambiente como esse ninguém costuma observar quem entra e quem sai (talvez só a mulher da limpeza), mas por causa do barulho da pancada na porta, me virei para olhar. Entrou uma jovem em direção aos espelhos. Aparentava ter alguns 20 e poucos (muitos?), como eu. Acho que um pouco mais velha. O cabelo, cortado no nível dos ombros, estava solto e seco (provavelmente a chuva não a pegara), mas ainda assim vi molhado o rosto, mesmo que pouco, até acho que vi umas duas lágrimas quase secas, talvez roladas há alguns minutos, um choro contido, quem sabe. Era muito bonita. Muito mesmo. Tinha altura e formas de modelo. Estava vestida num estilo simples: nem desleixada, nem muito enfeitada. Talvez ela tivesse acordado naquele dia com um humor neutro, quem sabe, e olhado suas roupas e escolhido: “hoje me vestirei de coisa alguma.”. E assim ela estava, expressando personalidade alguma na forma de vestir, nada que nos fizesse adivinhar como e quem ela seria e do quê ela gostava. Apesar disso, sabia-se que ela tinha bom gosto. Seu esmalte vermelho me chamou logo a atenção, num lapso de futilidade. Suas mãos eram finas, percebi quando ela as apoiou na bancada da pia, paralelas e palmadas no mármore. Essa posição dos braços fazia com que os ombros se encolhessem curvados para frente, e enquanto isso ela fixava a vista no reflexo do espelho. Inerte. Imóvel. Muda. Não piscava, não piscava, não piscava... Cheguei a achar que ela morrera em pé, bem ali mesmo, talvez numa descoberta de seu logos, como aconteceu com o arquetípico Narciso. A respiração não entregava o estado dela, não estava ofegante nem relaxada. Era uma Monalisa sem sorriso e sem melancolia, misteriosa no seu tom de seriedade incógnita. De tamanha a pausa dela nessa posição, eu e a moça da limpeza não aguentamos e nos entreolhamos por algum segundos, dei de ombros e me virei novamente em direção ao espelho, agora fingindo lavar as mãos. O silêncio naquele banheiro começou a contrariar, aquilo já me intrigava... e pronto: a abstração de quando entrei no recinto foi substituída por “algo de humano ou sensível”. Tentei perguntar algo, está tudo bem, moça, aconteceu alguma coisa, posso ajudar, o que houve, mas não saiu uma palavra do meu devotamento curioso. A “pausa dramática” era tamanha que já me constrangia. Olhei para a moça da limpeza atrás de algum comentário, mas essa já havia desistido de sentir curiosidade e continuou a passar o pano na entrada. E a moça não se mexia. Talvez ela tivesse discutido com o namorado, ou sido demitida, ou algo que se inclua no conjunto de dilemas genéricos. Busquei solitariamente encontrar esses dilemas na sua expressão de Monalisa-sisuda-embora-serena, mas nenhum se encaixava, como era possível? Balbuciei ainda um “caham-caham” na esperança de que ela ouvisse e olhasse para o lado, dando uma pista, saída da bolha, mas foi em vão. Eram apenas ela e o espelho, solidões do reflexo e do objeto que reflete.

Demorei a entender, mas depois de enxugar as mãos e decidir sair dali para beber um expresso e fumar um cigarro no estacionamento, me dei conta... Aquela mulher, aquela mulher: ela nada mais era ali do que um protótipo. Um arquétipo, quem sabe? Nós, seres humanos, reproduzidos em bilhões pelo mundo, mas na intrínseca solidão do mirar o espelho; nós, sempre buscando um logos que nunca chega, respostas que nunca vêm, apenas enxergando o aparente; egos que olham para si da mesma maneira como olhamos nossos umbigos, nunca discernindo o além-reflexo; Narcisos incapazes de evoluírem, solitários nas respostas de sempre, no reflexo de sempre que o espelho lhes dá. É a solidão. O espelho, por sua vez, solitário também ele, pobre coitado, quando se faz obrigado a refletir apenas uma parte do Ser, o que pára na sua frente e vai embora, apenas exibindo o aparente.

Acho que naquele momento entendi o que realmente aconteceu dentro daquele banheiro. Almas gêmeas se encontraram.

change my world oder nicht

Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither wildly as they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.

Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.

Images of broken light which dance before me like a million eyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box,
They tumble blindly as they make their way across the universe...

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Guten Tag! Glücklich!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ser é pensar.


"O filósofo busca ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquanto é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e causalidades como o homem de ciência, enquanto se sente dilatar-se até a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para considerar-se friamente como o reflexo do mundo, essa lucidez que tem o artista dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe projetar essa transformação para o exterior, em versos escritos. O que é o verso para o poeta, aqui, é para o filósofo o pensar dialético."

(Friedrich Nietzsche)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ein Buch mit sieben Siegeln


"O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta."
Vladimir Jankélévitch

Entre os outros e você


Entre um rosto e um retrato
O real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez
Entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre mortos e feridos
Entre gritos e gemidos
A mentira e a verdade
A solidão e a cidade
Entre um copo e outro da mesma bebida
Entre tantos corpos
Com a mesma ferida

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão
Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre americanos e soviéticos
Gregos e troianos *
Entra ano e sai ano
Sempre os mesmos planos
Entre a minha boca e a tua
Há tanto tempo, há tantos planos
Mas eu nunca sei pra onde vamos

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão
Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Eu me sinto um estrangeiro...

Entre a crença e os fiéis
Entre os dedos e os anéis...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Leben ist immer eine enge Anruf


...Um dia ele leu minha mão e me disse grandes verdades, as mais essenciais possíveis. Decifrou meu destino em menos de três linhas na palma da mão, em menos de cinco segundos. Nunca me esquecerei daquela frase...

...Como também nunca sumirá da minha memória o cheiro do incenso no Natal.

Pessoas que marcam nossa infância jamais deixarão de ser importantes. Elas sempre terão um lugar especial nas lembranças.
Haverá sempre um adeus...
Bis bald, seu Tota.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Não se possui o que não se compreende.


"A mais nobre alegria dos homens que pensam é haverem explorado o concebível e reverenciarem em paz o incognoscível."

[Johann Goethe]

domingo, 5 de setembro de 2010

Ohne Musik wäre das Leben ein Irrtum


Sem música a vida seria um erro. Ai, se não fossem os gênios...! Não sei o que seria da minha vida sem música. Nem da sua, nem da dele, nem da nossa. Acho que no meu caminho ter cruzado com alguém do ramo pode ter sido algo que cheira a destino..., ou coincidência, ou ironia, ou algo parecido, ou não. Mas sei que a música rega e inspira. Traduz e define. Resume, limita sem delimitar. Sem limites. Atravessa alma, pensamento, tempo e história. Daqui a vinte anos meu filho ouvirá pela voz do gênio (e de tantos outros) muitas verdades que não teriam a mesma intensidade se ditas em uma conversa normal, ou se apreendidas no cotidiano. Música é o complemento daquilo que chamamos de vida. É o tempero da comida. É o que define cada um como único, na totalidade de uma só melodia. É o todo individualizando, subjetivamente - cada um possui sua interpretação. Cada um sente à sua maneira uma única coisa. E isso é incrível, é surreal - numa só idéia existem tantas particularidades...! É o imortal, o infinito. O eterno. São palavras que possuem total poder sobre nossas idéias. É um meio no qual portas se abrem, deixando entrar filosofia, poesia, literatura, história (é só ouvir Chico, por exemplo, para entender). Como em uma obra de arte, as notas são unidas em perfeita sequência, para então no resultado final a gente eternizar a idéia. É a prova de que duas pessoas não precisam se conhecer intensamente para que uma consiga sentir o que a outra expressou, e nem expressar aquilo que o outro precisa sentir. Ainda assim, de maneira fantástica, elas se completam.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Wünschen


"Suficientemente feliz é quem ainda tem algo a desejar, pelo qual se empenha, pois assim o jogo da passagem contínua entre o desejo e a satisfação e entre esta e um novo desejo — cujo transcurso, quando é rápido, se chama felicidade, e quando é lento se chama sofrimento — é mantido, evitando-se aquela lassidão que se mostra como tédio terrível, paralisante, apatia cinza sem objeto definido, langor mortífero."
(Arthur Schopenhauer)

Não neguemos essa nossa característica de "seres de desejo".

Noli me tangere, pero no mucho


É uma rotina da qual não dá para se desvencilhar. É o hábito, a moradia, a educação. São situações nas quais nos mostramos as pessoas mais pacientes do mundo, ao empurrarmos com a barriga, ao convivermos com o imperfeito.

São oito andares, quatro apartamentos por bloco. Centenas de pessoas vivem ali. Centenas de pessoas que se encontram no mesmo elevador e fingem que não se enxergam. Respiram o mesmo ar, compartilham o mesmo porteiro, o mesmo endereço, o mesmo ambiente. São pessoas que se encontram no mesmo elevador, várias vezes ao dia. Em um espaço tão pequeno e tão sujeito à troca de palavras, me deparo com o inesperado. Essas pessoas, tão cúmplices geograficamente e tão distantes em emoção e sintonia..., não dão bom dia nem boa noite. Quando insistimos em requisitá-los, respondem educadamente, mas com expressões faciais que demonstram o quanto aquilo é sacrificante. É o “bom dia” que não corresponde à manifestação facial que o acompanha. Esquecem-se do propósito da palavra “vizinho”. As pessoas são estranhas.

A diretora anciã do colégio onde meu filho estuda não me olha com bons olhos. Isso se deu desde o primeiro contato. Ou foi impressão minha, ou a senhora não simpatizou comigo... Dizem que ela é assim mesmo, mas eu não me conformo. É sisuda. Não olha nos olhos. Não dá boa tarde. Tenho a impressão de que ela sempre faz cara feia quando minha tatuagem do braço fica à mostra, muito embora eu me vista como uma pessoa normal, tenha hábitos normais e boa educação. Não me cumprimenta, diariamente. Franze a testa quando meu marido vai deixar nosso filho na aula, acho que por suas argolas nas orelhas e sua tatuagem no braço, embora ele seja o único pai que freqüente aquele ambiente diariamente, sendo zeloso e coruja (acho inclusive que somos um dos poucos do grupo “casal de casados”, entre os pais). Chama-me de “mocinha”, e interpreto o tom de voz como quem se incomoda com minha idade e com o fato de eu ter sido mãe muito jovem (e me dá vontade de, na primeira ofensa, responder: na sua época as mulheres não casavam com 17 anos?). Acho que ela não crê na nossa experiência como bons pais, pois sempre questiona e critica tudo nas reuniões de pais, embora façamos as mesmas coisas que todos os outros, muitas vezes melhor. Meu filho é o único da salinha dele que leva para o lanche beterraba, cenoura, alface e rúcula (sim, ele gosta!), banana, maçã, uva. Se não for o único, é um dos poucos. Foi o precursor desse hábito entre os amiguinhos, creio eu. Não sei qual é o problema dela. As pessoas são ultrapassadas. As pessoas nunca se satisfazem com quem somos.

Moro no sétimo andar do bloco F. No quarto andar - do bloco vizinho - vive um casal que sempre nos acorda com o barulho das suas transas. São gritos incontidos, palavras sujas gritadas, tapas e penetrações escandalosas, numa acústica horrorosa que nos dá a impressão de que estão transando no nosso quarto (Chego a pensar que de lá de baixo eles ouvem a mesma coisa, vinda daqui de cima, e por isso se vingam). Apesar de já termos reclamado, eles continuam na mesma chateação. As pessoas não têm senso de coletividade.

No dia seguinte, encontro o mesmo casal (pertencente ao grupo “dos que habitam o mesmo espaço”) no elevador, que se desagrada com o “bom dia”, com cara de “não perturbe”. Irônico. No dia seguinte, encontro a mesma diretora quando vou ao colégio para pagar a mensalidade do meu filho e para conversar sobre alguma atividade escolar. E ainda assim, não sei por qual razão, ela faz questão de não ser cortês.

As pessoas querem conviver num mesmo espaço, mas não querem ter o trabalho de exercer a boa comunicação. Temos a obrigação do convívio com estranhos, mas ainda assim não se esforçam para que o convívio seja agradável.

No dia seguinte, e sempre haverá um dia seguinte, o convívio com quem não nos agrada será sempre destinado a acontecer. No dia seguinte ligaremos a TV para ouvir as noticias das quais não fazemos questão de saber, assistiremos a programas dos quais não gostamos, mas que nos são empurrados, dia após dia; no dia seguinte, sempre naquele dia em que queremos tanto acordar, passaremos por coisas boas, mas sempre rodeados por inúmeras outras coisas, aquelas que não são como queremos, mas são como precisam ser. É por isso que existem as dicotomias, os paradoxos. O bem, o mal, o bom o ruim. O blá, e o blá blá.

Gostar das pessoas é um árduo sacrifício, caro amigo. Exige um esforço meu, mas também seu. Por sorte, temos o direito de escolher aquelas que nos fazem bem, em meio a todas com as quais convivemos. Por sorte, as pessoas de boa estima são muitas. Por sorte, e sem fazer questão de que gostem de mim em retribuição, eu fiz minhas muitas escolhas.

Ao fundo, sem parecer piegas: IMAGINE.

"É sério, mas é surrealista."



O mais novo mimo da estante tem para mim o valor de uma herança. Paixão compartilhada com alguém que não está mais aqui, mas que fez jus à minha crença de que a melhor herança que você pode receber da sua família é a cultura, literalmente. Vô Oliveira. Muitas saudades. Lembrarei de você em cada livro relido, em cada frase escrita por alguém tão magnífico quanto ele, e absorvida por um ser tão grandioso como você.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Der Frühling wird kommen in der nächsten Sekunde


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.



Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.