O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Noli me tangere, pero no mucho


É uma rotina da qual não dá para se desvencilhar. É o hábito, a moradia, a educação. São situações nas quais nos mostramos as pessoas mais pacientes do mundo, ao empurrarmos com a barriga, ao convivermos com o imperfeito.

São oito andares, quatro apartamentos por bloco. Centenas de pessoas vivem ali. Centenas de pessoas que se encontram no mesmo elevador e fingem que não se enxergam. Respiram o mesmo ar, compartilham o mesmo porteiro, o mesmo endereço, o mesmo ambiente. São pessoas que se encontram no mesmo elevador, várias vezes ao dia. Em um espaço tão pequeno e tão sujeito à troca de palavras, me deparo com o inesperado. Essas pessoas, tão cúmplices geograficamente e tão distantes em emoção e sintonia..., não dão bom dia nem boa noite. Quando insistimos em requisitá-los, respondem educadamente, mas com expressões faciais que demonstram o quanto aquilo é sacrificante. É o “bom dia” que não corresponde à manifestação facial que o acompanha. Esquecem-se do propósito da palavra “vizinho”. As pessoas são estranhas.

A diretora anciã do colégio onde meu filho estuda não me olha com bons olhos. Isso se deu desde o primeiro contato. Ou foi impressão minha, ou a senhora não simpatizou comigo... Dizem que ela é assim mesmo, mas eu não me conformo. É sisuda. Não olha nos olhos. Não dá boa tarde. Tenho a impressão de que ela sempre faz cara feia quando minha tatuagem do braço fica à mostra, muito embora eu me vista como uma pessoa normal, tenha hábitos normais e boa educação. Não me cumprimenta, diariamente. Franze a testa quando meu marido vai deixar nosso filho na aula, acho que por suas argolas nas orelhas e sua tatuagem no braço, embora ele seja o único pai que freqüente aquele ambiente diariamente, sendo zeloso e coruja (acho inclusive que somos um dos poucos do grupo “casal de casados”, entre os pais). Chama-me de “mocinha”, e interpreto o tom de voz como quem se incomoda com minha idade e com o fato de eu ter sido mãe muito jovem (e me dá vontade de, na primeira ofensa, responder: na sua época as mulheres não casavam com 17 anos?). Acho que ela não crê na nossa experiência como bons pais, pois sempre questiona e critica tudo nas reuniões de pais, embora façamos as mesmas coisas que todos os outros, muitas vezes melhor. Meu filho é o único da salinha dele que leva para o lanche beterraba, cenoura, alface e rúcula (sim, ele gosta!), banana, maçã, uva. Se não for o único, é um dos poucos. Foi o precursor desse hábito entre os amiguinhos, creio eu. Não sei qual é o problema dela. As pessoas são ultrapassadas. As pessoas nunca se satisfazem com quem somos.

Moro no sétimo andar do bloco F. No quarto andar - do bloco vizinho - vive um casal que sempre nos acorda com o barulho das suas transas. São gritos incontidos, palavras sujas gritadas, tapas e penetrações escandalosas, numa acústica horrorosa que nos dá a impressão de que estão transando no nosso quarto (Chego a pensar que de lá de baixo eles ouvem a mesma coisa, vinda daqui de cima, e por isso se vingam). Apesar de já termos reclamado, eles continuam na mesma chateação. As pessoas não têm senso de coletividade.

No dia seguinte, encontro o mesmo casal (pertencente ao grupo “dos que habitam o mesmo espaço”) no elevador, que se desagrada com o “bom dia”, com cara de “não perturbe”. Irônico. No dia seguinte, encontro a mesma diretora quando vou ao colégio para pagar a mensalidade do meu filho e para conversar sobre alguma atividade escolar. E ainda assim, não sei por qual razão, ela faz questão de não ser cortês.

As pessoas querem conviver num mesmo espaço, mas não querem ter o trabalho de exercer a boa comunicação. Temos a obrigação do convívio com estranhos, mas ainda assim não se esforçam para que o convívio seja agradável.

No dia seguinte, e sempre haverá um dia seguinte, o convívio com quem não nos agrada será sempre destinado a acontecer. No dia seguinte ligaremos a TV para ouvir as noticias das quais não fazemos questão de saber, assistiremos a programas dos quais não gostamos, mas que nos são empurrados, dia após dia; no dia seguinte, sempre naquele dia em que queremos tanto acordar, passaremos por coisas boas, mas sempre rodeados por inúmeras outras coisas, aquelas que não são como queremos, mas são como precisam ser. É por isso que existem as dicotomias, os paradoxos. O bem, o mal, o bom o ruim. O blá, e o blá blá.

Gostar das pessoas é um árduo sacrifício, caro amigo. Exige um esforço meu, mas também seu. Por sorte, temos o direito de escolher aquelas que nos fazem bem, em meio a todas com as quais convivemos. Por sorte, as pessoas de boa estima são muitas. Por sorte, e sem fazer questão de que gostem de mim em retribuição, eu fiz minhas muitas escolhas.

Ao fundo, sem parecer piegas: IMAGINE.

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