O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

quinta-feira, 28 de abril de 2011

o nosso viver de aparências


Tem sabor de café, de iogurte,de pasta de dente e enxaguante bucal. Tem sabor o seu beijo pela manhã. Tem cor de nuvem, tem cor de fruta, seu sorriso, sua boca. Tem som de acalanto a sua risada. Seu humor borbulha.


Seu timbre soa como a trilha do meu silêncio; seu ritmo coordena a minha preguiça. Sua mão em toque de felino. O olhar embebido em carência. Seu abraço, seu afago. Desperta-me. Seu beijo ao acordar.

Levanta, alguém nos chama. O dia se espreguiça... O vento nos cumprimenta. Chegamos mais uma vez ao ponto de partida do nosso percurso – o ponto de partida de mais um dia, o de acordar repetidamente, lado a lado. O de todos os dias.

-Seu beijo ao acordar.-

Reiterando o ciclo, reiterando o tempo. Aquele de permanecer constante. REnascendo. Acompanhando o sol, ouvindo a rua, regendo os pássaros. Dormindo e despertando. Observando o fruto, aprendendo e ensinando. Produto nosso. Como sorrimos...! Amigo, pai, marido, bom dia. Mais um, como aqueles tantos. Seu beijo ao acordar.

Tem cor de chuva o nosso sono. Tem cheiro de creme e amaciante. Tem a leveza do cobertor, a profundidade dos travesseiros. Só o relógio faz ruído. Tem sabor de pimenta, gengibre, hortelã, chocolate. Seu beijo ao dormir.

domingo, 24 de abril de 2011

sublime


Acordar cedo. Café com leite - bem docinho. Todos dormem. Céu nublado. Não se vê cor alguma. Pouca luz. Nariz gelado, pés com meias, chão frio. Cheiro bom. Chove muito. Chopin, por longas horas. Eu não teria outra palavra a não ser:

A cidade muda



Mudez, mudança. Afasia. Afonia. Mudança. A cidade, muda.

Os livros não mudam - Diferente de exposições, teatros e shows. -, diferente dos homens e das cidades. Podemos gravar a música, mas o som reproduzido não é a música do artista, da mesma forma que a reprodução de um quadro não é o quadro. A reprodução de um texto é o texto, embora eu me preencha com um pouco de paródia. Quadros, peças e esculturas envelhecem, craquejam, precisam ser restaurados. Os olhos e ouvidos, assim como a sensibilidade dos homens, mudam. A cidade.

Saio de casa, fecho a porta e caio na cidade. Ando nela esquecendo-me que daqui a 40 anos, 23, 35, um ano e oito meses, ou daqui a uma hora e 47 minutos posso morrer. Andamos com o medo de ser machucados, mas não com a lembrança de nossa morte futura. Só podemos viver e andar na cidade porque somos imortais. Ou não? E vamos criando anticorpos a cada esquina atravessada, para qualquer enfermidade.

A cidade muda. A cidade que conhecemos muda a cada minuto. O mundo muda. Na verdade, nem muda, por aquilo já não ser mais aquilo, e pelo 'isso' não ter tempo de continuar a ser 'isso' e em seguida deixar de sê-lo, no segundo seguinte. A cidade muda. Porque reconhecemos seus volumes, continuamos a chamá-la de nossa cidade. Surpreendo-me com um espaço vazio ou um novo prédio - não estava lá da última vez, lembro com certeza. Mas sei o que estava antes? Não. A ausência do que não me lembro, sua demolição e substituição, ou a reforma de uma fachada, a transformação do uso de uma casa em outro (agora é uma padaria, e o que era antes?), me fez pensar que eu estava perdendo a cidade que nunca guardei.

Ao deixar de perceber o que ali havia, no momento em que deixo de ver algo que ali jazia e agora já não há, tenho a mesma sensação da de quando percebo que uma peça que queria assistir saiu de cartaz. Uma representação não se repete. A percepção do transitório que compõe a cidade e sua vida trouxe à lembrança minha própria finitude, a co-habitação da indesejada das gentes nesse corpo que sou eu. Não vi, e portanto não continuará existindo em mim, aquela casa agora demolida, a peça não assistida. Não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, uma platitude física, mas podemos nos esforçar para estar onde estamos. Olhar e enxergar em volta. Uma casa e um prédio no meio do caminho. As pessoas, pedras ou árvores - aquelas que lhe prejudicam e aquelas que lhe dão sombra e abrigo.

Mudamos junto com a cidade, nós morreremos e ela continuará sua transformação. Tentemos, com distração, captar pequenos sentidos possíveis em nosso trânsito diário, passando adiante. Seja em uma conversa boba, indo ao cinema, na tal fila do supermercado em véspera de feriado, na nova livraria inaugurada, na árvore centenária recortada da imagem do bairro, no terremoto que adentrou o hall das notícias, no cachê diabólico pago ao padre que canta, no hotel antigo demolido naquela rua movimentada, nos pés de jambo colorindo as calçadas da minha avó, na quantidade de linhas horizontais que dão movimento aos volumes verticais, no cheiro de praia que perfuma Janeiro e o começo da rotina maquinal que reverencia Fevereiro em diante. E feliz ano novo, até o próximo reveillon.

Enxergar, apontar, nomear e narrar é também criar uma existência e poder passá-la adiante. Os livros não mudam, mas só existem dentro da ação contínua da vida, só acontecem quando lidos por olhos que mudam e passam adiante.


~~~~~


(Fotosdasfotos: com minha mãe; Saarbrücken, cidade natal que voltará a ser morada por algumas semanas de Junho. Além de Frankfurt e - só um sopro de - Lisboa.)

entre aspas, pero no mucho


Tenho pensado no fundo. No fundo das coisas, no fundo do coração, no fundo da terra, no fundo do mar, no fundo da cama, no fundo da xícara. Tenho pensado em me movimentar, nem que seja para o fundo. Para o profundo de tudo. Me esconder para que o tempo não passe. Para que as coisas não mudem. Para que o paradoxo se evidencie, veja pois. Saber das coisas a fundo, pensar pensamentos a fundo. Olhar a pessoa no fundo dos olhos e tentar descobrir o que ela fará comigo caso lhe mostre o fundo do meu coração. O fundo é um lugar e pronto. Quero mais que espaço e aspas, quero o imaterial que às vezes pesa à mão. Conhece? O imaterial que toca o coração com o dedo. Sem medo. Isso mesmo. Quero o que não pode com aquele que posso, quero ir ao supermercado e comprar desinfetante para minha mente e limpá-la. Quero ultrapassar a barreira do tempo e fazer a vida ser MAIS feliz. Será isso possível ou sou apenas uma lunática cheia de querências? Feliz já sou - a fundo, com dedos, anéis e sem medo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Trilha chuvística de começo de uma semana gostosa


"Qualquer dia da semana
um coração vazio;
Se enche de amor
Qualquer dia da semana
É primavera
E um coração vazio
É um copo que enche
De inverno o inferno do eterno furor
De viver
Encher nosso copo corpo quente com luz seduz
Num coração com varanda, vista pra frente e jardim
E tudo isso cabe num barracão
Lua que fura e ilumina zinco quente
Eu e você, nossas roupas comuns
Iluminadas pela mesma luz de um lampião
Já passou, não passou
Outro sol, outro"
Hihihi :~

sábado, 16 de abril de 2011

Desejo de viver o que vivo para sempre.

Diz Sartre que o desejo se exprime por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem... eu suspeito que a linguagem é uma carícia e que o pensamento é um desejo.

ZéNeto detodasasruas


O seu nome? O seu nome? O Zé Neto emite sempre um duplicado das suas frases. Pediu-me um cigarro, um cigarro. E fogo, e fogo. Só depois perguntou o meu nome. Mônica, disse, sabendo que aquele princípio de conversa já acontecera outras vezes. Virou-se para os poucos circunstantes, o cigarro aceso entre o dedo médio e o anelar e anunciou, na voz volumosa e rouca: O nome oficial é Mônica. Mônica o nome oficial. Ninguém o ouviu. Também ninguém o olhou...

... Ele foi o flanelinha mais amável, doce e cordial que já vi. Sua aparência diria o contrário, mas a doçura de sua personalidade compensava. Uma alma que, por razão maior, adentrou um corpo estranho, nessa vida. Amável, sozinho. O sorriso tinha algo de ainda ser criança.

Um dias desses o Zé Neto me encontrou numa loja de conveniência e disse: Iogurte, iogurte. Acompanhou-me à prateleira e, antes que lhe perguntasse a marca e o sabor, apontou com os dedos grossos e sujos, decidido: Destes, destes. Por entre a profusão de marcas que me confunde, O Zé Neto sabe o que quer. - E sabe muito mais coisa do que nós podemos conhecer ou compreender. - E por isso jamais neguei um iogurte ou algum pão caramelado, quando o vi. Não havia maldade naquilo que pedia: a maldade habitava sempre e apenas no seu estômago - doía.

Quando os demônios o atormentam, grita ou canta. Sabe estribilhos de canções e repete-os. Por vezes, cria as suas próprias letras. Tão loucas como as de qualquer poeta em confusão. Invejei-o.

Zanga-se muito. Só ele saberá com quem ou com o quê. É uma zanga doce. É um menino grande, que franze as sobrancelhas e fecha o bico. É quando solta palavrões, em alto e bom som, em duplicado, em triplicado, tantas vezes quantas a raiva o exigir. Como qualquer um de nós gostaria de fazer, e não o faz por medo da classe.

O Zé Neto tem sempre muito calor, suponho. Há dias em que não suporta a roupa e se despe. Chega a ficar só com a bermuda. Claro que escandaliza as pessoas de bem, estas sinceramente hipócritas. O Zé Neto não sabe que não é um jovem atlético e que a rua não é uma “passerelle”.

Já o vi dançar. Nos quadris, o Zé Neto tem o ritmo de “twist”, e os braços ensaiam figuras de ginástica aeróbica. De fazer inveja a muito pé-de-valsa que anda por aí. Já tentei algo parecido, mas não é para qualquer um.

Devo dizer que nem sempre é assim destrambelhado e exuberante. Hoje encontrei-o sentado numa praça, de perna cruzada, recostado, com um cigarro apagado entre os dedos. Tem fogo? Tem fogo? E nem sequer descruzou a perna. Aproximei o isqueiro. Aspirou fortemente, repetidamente. Entre duas fumaças, respondeu: Obrigado, obrigado. Mal sabemos nós o sofrimento que faz parte do destino dele. Sabemos que ele vive, e sobrevive, em duplicatas, na solidão, na singularidade, no eco. Sei que ele é capaz de completar qualquer complexidade, só na sua simplicidade.

Há dias em que o invejo. Tão livre, tão livre.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

semvéu,semrazão.


O céu das seis da manhã mais parecia o de duas horas antes. Tudo nublado, pouca luz. O cenário perfeito para aquela que já nasce conosco - a preguiça. As obrigações, estas que eram a de todos os dias, não fizeram diferença. Foram atendidas sem reclamações. É a rotina que amo, afinal.

Diferença fazia o tempo livre que teríamos, depois de cumprir os objetivos matinais, não por ser inédito, mas por esse dia ter acordado com uma atmosfera dessemelhante. Chuva densa nessa cidade do sol. Frio nos pés. Brisa gelada. Céu grisalho. Café quente, com leite, bem doce. Café da manhã na cama. Chá. Sorrisos. Filme. Temperatura agradável, com tendências de frio. Amor debaixo dos lençóis. De fora, veríamos apenas o movimento, mas por dentro havia muita coreografia...coisas que se esquentavam da maneira mais natural possível.

Beijos. Pego no sono. Dividimos o filme em duas sessões, se bem que há muito tempo ele já ficara em segundo plano. Choveláforaeaqui...

…No strings attached. Hora de viver.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

falecomaminhamão


A palavra grega que designa o “sábio” se prende, etimologicamente, a “sapio” - eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento. O sabor das palavras, o tempero dos questionamentos, meu nutritivo sair da inércia. Constitui, segundo a consciência do povo, a arte peculiar do filósofo. Tentar dizer o sentido sem deixar que o mesmo se perca - e nem sempre isso é fácil; pensar sem perder a totalidade. Impor à totalidade a nossa subjetividade, ou seria o oposto?

O filósofo busca ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e de si, expô-lo em conceitos, através de abstrações. Creio que cabe ao amante da filosofia o constante ciclo de digestão e transmissão do saber. Amar o pensamento. Apaixonar-se pelo conhecimento, identificar-se - ou não - com as idéias. E nelas eu me encaixo na maioria das vezes...

Sinceramente, defendo a idéia de muitos que tentam mesclar o pensamento filosófico ao cotidiano. Abomino aqueles que se afogam em seu ceticismo absurdo, julgando nefasto tudo aquilo que adentra o senso comum, embora este não seja tão agradável quando visto de perto - admito. Geralmente fazem parte desse meio ‘calouros deslumbrados’ com as idéias pré-concebidas, jovens esperançosos e crentes de haver no final do arco-iris um ser perfeito e nutrido de super intelectualidade, ao qual eles almejam se igualar, e sinceramente eu só vejo neles um protótipo desesperado de pseudo, fiel misantropo que não experimenta as efemeridades da vida..., ou que finge que não o faz, para não fazer feio diante dos demais. Neste ciclo também se encaixam os que já têm grande conhecimento, muitas vezes os que nos ensinam hoje em dia, mas que com o perdão da palavra – enrustiram-se em suas armaduras sérias e autossuficientes.

O homem de gosto mais apurado não precisa ser necessariamente um rabugento. Há beleza no cotidiano sem que seja necessário cuspir nos outros ao pronunciar Nietzsche – e afirmo sem piscar que muitos deles não o compreendem nem por alto..., embora seja tão popular e tão interessante - . Não é necessário vangloriar Heidegger para mostrar que atingiu um patamar mais elevado que os demais. Tampouco adianta declamar em latim aquele pensador mais exótico que ninguém mais conhece. Caham. Dá licença...

Vejo tudo isso esboçado em muitos dos meus colegas. Detesto o pedantismo. Todos esses autores estão ali, na minha estante, e nem por isso preciso mencioná-los na hora do intervalo, para que os outros ouçam. Já chamo atenção demais baforizando meu cigarro perto deles.

Creio que o sábio reina, como já disse, no saborear das informações. Digerir, abstrair, absorver. Algo totalmente distante da moldura exposta na parede, no avatar do seu site de relacionamento, no pigarro pedante das frases prontas, nas citações mal compreendidas dos grandes pensadores, dignas de lotarem um caderninho de reflexão.

Qual é a graça de usar a filosofia sem tê-la conosco no cotidiano? Sinceramente, não quero me perder nesse meio ilusório de semi ou pseudos, só pelo fato de eu me encontrar em outros sítios, na música, na tv, no dia-a-dia de mãe ou de esposa, na conversa de salão, na mesa de bar, nas piadas, entre cerveja e conversas. Parafraseando Sartre (pigarros), o homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter.

(Grilos)

Nada a ver, foi só para parafrasear mesmo.

terça-feira, 5 de abril de 2011

maybetomorrow


Depois de discorrer sobre o tempo, decidi procurar o analista mais próximo de casa: sentei no sofá, deitei no divã meu alter ego e pedi que proferisse tudo a mim, sem rodeios e prosopopéias. Ouvi cada ladainha. Burburinhos a respeito de abstrações, narcisismo de 1,60m. Diagnostiquei: complexo de boneca estúpida. Faz parte dos meus defeitos (digo, dos defeitos do meu alter ego) querer sempre extrair a rotina, deixá-la para escanteio. Mas o que é a felicidade senão uma constante? - Falei. - Felicidade é rotina, é calmaria, é tudo bem. e bem que me queimei agora... cadê o cinzeiro?

Sentada no sofá, prestei atenção em cada detalhe daquele corpo desnudo e pensante, deitado. Os olhos rodeando o teto da sala, as mãos cruzadas na vã intenção de encaixar as idéias soltas, as pernas cruzadas e esticadas, balançando os dedos dos pés. É a típica cena de quem não tem nada a ser mudado e analisado, penso eu, e por isso não cobrei a hora da consulta: vá pra casa, deixe o tempo para os velhos. E, cá entre nós, há coisa mais interessante para você fazer nesse exato momento.

E mais um trago ao final de tudo.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

mandamentointernetístico


Já não é o original que ilumina e transfigura o cotidiano. É o cotidiano que torna o original inteligível.

(E é tão raro encontrar o genuíno hoje em dia..)

Muitas vezes não é o admirar (puro) que move a interpretação e absorção dos atos e do existir/ser. Por muitas vezes enxergamos nitidamente no outro a falta de capacidade de se criar algo, e aí nos deparamos com cópias absurdas de nossas coisas mais obsoletas (ou não), mas tão consideráveis a olhos alheios. Não obstante, admirar (com todo o seu atributo de imitação) é quem mais empobrece e desfigura o original - É aí que sublinhamos o cotidiano -. Mas é quem requisita metade da minha gratidão e, também paradoxalmente, quem abastece mais ainda minha busca pela originalidade, mesmo que por muitas vezes eu não consiga, paciência. O diferente ensina. A cópia paralisa. Inspire-se, mas não xeroque. Aprendi isso. Quem o copia pode gostar daquilo que vê, mas também deixa morrer sua própria capacidade intelectual. Há 50% de tristeza nisso, sabia. Por isso hoje me inspiro. Amanhã, não sei.

Ao fundo: Lobão - Quente + Bambina