O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

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sábado, 16 de abril de 2011

ZéNeto detodasasruas


O seu nome? O seu nome? O Zé Neto emite sempre um duplicado das suas frases. Pediu-me um cigarro, um cigarro. E fogo, e fogo. Só depois perguntou o meu nome. Mônica, disse, sabendo que aquele princípio de conversa já acontecera outras vezes. Virou-se para os poucos circunstantes, o cigarro aceso entre o dedo médio e o anelar e anunciou, na voz volumosa e rouca: O nome oficial é Mônica. Mônica o nome oficial. Ninguém o ouviu. Também ninguém o olhou...

... Ele foi o flanelinha mais amável, doce e cordial que já vi. Sua aparência diria o contrário, mas a doçura de sua personalidade compensava. Uma alma que, por razão maior, adentrou um corpo estranho, nessa vida. Amável, sozinho. O sorriso tinha algo de ainda ser criança.

Um dias desses o Zé Neto me encontrou numa loja de conveniência e disse: Iogurte, iogurte. Acompanhou-me à prateleira e, antes que lhe perguntasse a marca e o sabor, apontou com os dedos grossos e sujos, decidido: Destes, destes. Por entre a profusão de marcas que me confunde, O Zé Neto sabe o que quer. - E sabe muito mais coisa do que nós podemos conhecer ou compreender. - E por isso jamais neguei um iogurte ou algum pão caramelado, quando o vi. Não havia maldade naquilo que pedia: a maldade habitava sempre e apenas no seu estômago - doía.

Quando os demônios o atormentam, grita ou canta. Sabe estribilhos de canções e repete-os. Por vezes, cria as suas próprias letras. Tão loucas como as de qualquer poeta em confusão. Invejei-o.

Zanga-se muito. Só ele saberá com quem ou com o quê. É uma zanga doce. É um menino grande, que franze as sobrancelhas e fecha o bico. É quando solta palavrões, em alto e bom som, em duplicado, em triplicado, tantas vezes quantas a raiva o exigir. Como qualquer um de nós gostaria de fazer, e não o faz por medo da classe.

O Zé Neto tem sempre muito calor, suponho. Há dias em que não suporta a roupa e se despe. Chega a ficar só com a bermuda. Claro que escandaliza as pessoas de bem, estas sinceramente hipócritas. O Zé Neto não sabe que não é um jovem atlético e que a rua não é uma “passerelle”.

Já o vi dançar. Nos quadris, o Zé Neto tem o ritmo de “twist”, e os braços ensaiam figuras de ginástica aeróbica. De fazer inveja a muito pé-de-valsa que anda por aí. Já tentei algo parecido, mas não é para qualquer um.

Devo dizer que nem sempre é assim destrambelhado e exuberante. Hoje encontrei-o sentado numa praça, de perna cruzada, recostado, com um cigarro apagado entre os dedos. Tem fogo? Tem fogo? E nem sequer descruzou a perna. Aproximei o isqueiro. Aspirou fortemente, repetidamente. Entre duas fumaças, respondeu: Obrigado, obrigado. Mal sabemos nós o sofrimento que faz parte do destino dele. Sabemos que ele vive, e sobrevive, em duplicatas, na solidão, na singularidade, no eco. Sei que ele é capaz de completar qualquer complexidade, só na sua simplicidade.

Há dias em que o invejo. Tão livre, tão livre.

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