O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

vielleicht, Erinnerungen



Onde está alojado o coração é possível ouvir batimentos constantes, ininterruptos, e isso não é tão óbvio. Mas de onde você está certamente não dá para ouvir que aquilo que pulsa já se tornou efêmero, na metade das horas completas. São como bilhetes de papel guardados em bolsos, estes tão confusos que já nem sei mais quais são, nem de quem são. Se foram meus, procuro e não encontro mais. Talvez eu tenha guardado em algum jeans seu. Bilhetes talvez desfeitos pelo tempo, pela chuva, pela máquina de lavar. O tempo não conserva as coisas sempre da mesma maneira. É como todos os dias ter que polir o mesmo móvel, pois todo dia tem poeira. Se você se esquecer de polir, se esquecerá de como o móvel já foi um dia, e restará apenas a imagem da memória. Debaixo da poeira estará a sua lembrança, mas com outra figura. Lembro de como era a roupa de cama, por exemplo. Por uma ou duas vezes foi esquecido o amaciante, e hoje alguns tons de vermelho desbotaram na totalidade das rosas. Dizem que quanto mais lavado e antigo for o cobertor, mais aconchegante. Não nego. São assim também os sentimentos antigos, eles confortam. É o cômodo, o repouso confiável. Talvez tenham perdido o viço, mas jamais deixarão de ser o que aparentam – porto seguro. É a certeza de que haverá sempre a cadeira no mesmo lugar, quando você cansar as pernas. Haverá o móvel para apoiar seus objetos e compromissos, apesar de empoeirado.

Tal qual a mudança brusca de ventos e temperaturas, preciso conviver com a mudança de dentro. Um homem sem sentimento é como uma porta sem fechadura. De que servirá a madeira sem um objeto que a mude de lugar, de acordo com a necessidade?

Eu não culpo o meu librianismo pelas escolhas quase inconstantes que faço, a cada segundo. Enquanto tomo o café da manhã – forte e absurdamente doce, com leite, por favor... – suspiro. Ao lavar a xícara, desisto. Ao cozinhar os legumes reconsidero; ouço uma música e tudo se mistura de novo no pensamento. Tomo um banho com a idéia na cabeça, e ao deitar para dormir já não tenho mais tanta convicção. Talvez o ronco dele ao meu lado confunda o meu raciocínio e eu vá até a cozinha para beber o centésimo copo de água. Talvez eu fume um cigarro, pense no dia de amanhã e decida que tudo aquilo aconteceu porque deveria acontecer. Talvez eu desista de pular da janela daqui a uma semana, na certeza de que no dia seguinte finalmente acontecerá um milagre e eu amanhecerei com asas, podendo assim voar. Talvez eu deseje não sair mais daquele sofá. Talvez, e quantos talvezes, eu pudesse paralisar o momento para vivê-lo todos os dias. Talvez seja só exaustão. Talvez eu consiga acordar uma hora mais tarde amanhã e minha cabeça então até poderia estar mais relaxada. Talvez eu fosse do tipo que acredita em destino. Quiçá meu coração saísse pela boca. Talvez eu chorasse, lamentando o não vivido. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o que vivi superou tudo. Era o que tinha de ser. Quem sabe depois de concluir o inacabado eu sinta um sono dedutivo e reconfortante. Dou de ombros, deposito o copo na pia, amanhã eu lavo. Volto para o quarto. Roubo um pedaço do seu travesseiro, misturo ao meu, cheiro suas costas e fecho os olhos. Amanhã existirá mesmo que eu não decida nada hoje. Boa noite. Mas não ronque.
Eu sou o eu e as circunstâncias...
Parte II.

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