quinta-feira, 3 de junho de 2010
...Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
Continua a lua cheia. Relógios pararam e o som de um carrilhão rouco escorre pelo muro. Quero ser enterrada com o relógio de pulso para que na terra algo possa pulsar o tempo.
...Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
...Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva é escrever distraidamente.
(Água Viva - Clarice Lispector)
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