O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

terça-feira, 5 de outubro de 2010


Se o deslumbramento agora é subvertido em olhar através da paisagem de concreto do lado de fora da janela, não me admira que eu não saiba mais proferir o lirismo de antes, muito embora isso jamais tenha feito parte de mim. (Olha a modéstia hipócrita e nefasta!). Viver em apartamento está muito longe de ser um completo “lar, DOCE lar”, apesar de ter uma vida gostosa e apaixonada. O concreto por muitas vezes ofusca as cores da felicidade. São paredes hermeticamente posicionadas, passos do andar de cima, botões de elevador, interfone, porteiro e mil carros. São metros e mais metros de estacionamento, o qual comporta carros lado a lado, apesar de não saber que cada um possui a sua história, a sua família. Mas, se eu ignorasse por ora toda essa cena urbana e cotidiana, provavelmente eu falaria da noite anterior de sono em conchinha e de sexo, da temperatura do lençol ao acordar. Falaria. Descreveria meu ato de espreguiçar as articulações e músculos, quase sempre desastrado. Narraria o modo como levo tempo no banheiro entre banho, cremes, escovar os dentes, pentear os cabelos e passar o desodorante, ainda sonolenta. Confessaria meu hábito de voltar escondida para debaixo dos lençóis, só para ser acordada de novo. Falaria dos lapsos metafísicos quando aquela barba roça no meu corpo...É capaz até de na empolgação confessar que na maioria das vezes procrastino o café da manhã para ronronar e babar no travesseiro - e aí eu desconto o apetite no almoço, sempre tarosa por legumes e verduras, mamãe me criou sem frescuras e ao mesmo tempo fresca. Se o chá de erva-doce com hortelã fosse mencionado, com certeza eu falaria que um cigarro tragado na janela o acompanha, às vezes. Entre tais fatos diários, o filhote perambula para cá e para lá, bagunçando de uma forma impressionante e inimaginável (os meus esmaltes no caminhãozinho, o lego dentro do chuveiro, a chupeta do lado do mouse, a mamadeira em cima da televisão, os carrinhos atrás da fruteira), muito embora contida e revertida diariamente. Rituais de faxina e organização – torne-se mãe e saberá o que é isso. Espere seu filho crescer e saberá que não é necessário viver em um mangue para que ele emende gripes, resfriados e catapora em seqüência, porque é isso que acontece, mesmo que você more em um palácio. Isso evitará possíveis indelicadezas.

Eu poderia falar e repetir sempre as mesmas coisas, o gozo, o beijo, a cozinha a dois, os brinquedos, o rock, o vinho, a filosofia, os poemas baratos, as fraldas, as críticas de quem nasceu chata, mas que não as faz por maldade, e sim por inconformismo. Eu poderia narrar diariamente as invasões culinarísticas do meu marido, as tiradas inesperadas do meu filho de 3 anos, os nós do meu cabelo prestes a ser cortado, os livros que enfadonhamente menciono. Mas tudo isso talvez eu já não saiba descrever de 100 maneiras diferentes. Alguns dizem que isso se chama rotina. Uns aqui e acolá preferem balbuciar algo do tipo “tautologia”. Eu digo: é a vida que não troco por nenhuma outra, mesmo que eu perca o latim. Apesar de sorrir sorrisos pontuais e beijar a boca de hortelã fazerem parte de muita gente (e isso é bom!), apesar de as cartas de amor serem tolas... Concordo que falar de amor (para quem vive em constante amar) acaba se assemelhando à rotina, quando não reinventada. Mas sei que todo mundo vai admitir que isso se faz necessário. É disso que o homem vive - de amar algo. Seja um livro ou um shampoo revolucionário. Seja um neto ou aquele aparelho eletrônico. Seja um Cd ou seu Twitter super utilizado. Até o mais convicto dos niilistas ama. Quem não ama uma verdade, afinal?

Apesar de repetitivo, cada vez mencionado o amor é único e original. O Amor é lindo, dane-se se for em maiúsculo ou minúsculo, mas é lindo, mesmo que exista um diferente a cada 3m². E danem-se os filmes pornôs ou as narrativas vulgares: banalizam (ou não) o sexo, mas para mim o ato continua sendo subjetivo e digno de verborragia. Assim como o concreto da rua, pois ele também não tem culpa de nada.

Um comentário:

  1. Concreto é sua delícia nas coisas.
    Sem objeto seu verbo é amar maiúsculo.
    Adorei passar por aqui.
    Bjs

    André
    megantena.blogspot

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