O recurso patético ao proparoxítono humorístico ou sarcástico ou satírico

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Blindenessssssss


Em meio a esse lapso energético que dominou o nordeste na noite passada, percebi o quanto somos inúteis e desamparados perante a potência e a dependência diante das NOSSAS criações. É num momento como esse em que lembramos seriamente que o monstro pode sim se voltar contra o criador - o Frankenstein que se manifesta contra o seu feitor. Acabou a energia. E agora? Na falta dela, vejam só, tornamo-nos fracos, burros, despreparados. Voltamos à escuridão de nossas cavernas, procurando saber o que faremos dali pra frente. O nosso mundo interior voltou ao princípio.

Não havia nada. Não havia ventilação, não havia música, não havia elevador, não havia luz, não havia noticiário que esclarecesse o ocorrido, porque também não havia nada que nutrisse o fio da tomada. E nem haveria também como ter notícia por meio da internet, porque o computador não teria como ser ligado. Tentando o celular, cuidado, pois não haveria carregador para alimentá-lo. Meia hora após o apagão, recebo a seguinte mensagem da minha irmã, pelo celular, anunciando o que lera no twitter (acessado também pelo aparelho telefônico, obviamente):

"O Nordeste inteiro sem energia. A barragem da usina de Paulo Afonso arrombou e inundou 5 cidades. Previsão de muitos dias sem energia para Pb, Pe, Rn, Ba e Ceará."

Imediatamente só me veio à cabeça a singela palavra: fudeu. E nada mais.

Na hora da sede, qualquer pingo d’água é bem vindo. Na falta de meios para se obter uma notícia, qualquer boato é reza. Na hora em que lemos aquilo toda a curiosidade foi saciada. Claro que depois eu me irritaria com a má fé das pessoas que inventaram essa estória, mas na hora eu só fiz balbuciar o palavrão e fim.

Fudeu.

Criou-se quase que instantaneamente uma espécie de sentimento de impotência, e ali sabia que, se fosse verdade mesmo o que acontecera, eu não era a única. Vi-me imediatamente imersa e presa dentro de “Ensaio sobre a cegueira”, como também dentro de “Intermitências da Morte”. Uma cegueira de ignorância, visto que quem me domina é a criação - ela, a eletricidade. Sem ela, ironicamente senti como se cegasse. Já me vi economizando mantimentos, já que não poderia mais utilizar aparelhos como o liquidificador. Comecei a economizar a bateria do celular. Logo providenciei o estoque de velas e fósforos. Planejei todo o entretenimento do meu filho, as atividades, a alimentação e a higiene. Sem a energia, poderia vir também a falta d’água. Acho que nessa hora eu já estava praticamente me tornando a personagem central do livro. Ensaiando a própria cegueira.

Imaginei também as pessoas precisando ter seus bebês, ou necessitando morrer. “Seria interessante que você segurasse só mais um pouquinho, quem sabe até terça-feira. Estamos sem energia”, diria o médico. “Acho que hoje não é um bom dia para morrer. Sabe como é, está um breu.” Nascer e morrer precisariam ser reinventados.

Em meio a toda essa preocupação, iniciada por volta da meia-noite com o boato maldoso, acabei por dormir lá pelas duas e meia da manhã, exausta de tanto planejar a sobrevivência. Acordei com o telejornal anunciando uma falha no sistema de proteção. Nenhum alagamento. Nenhuma cidade submersa. Sequer um dia de cegueira. Sequer um rastro de desamparo. Mantimentos a salvo. Foi só aí então que percebi que o ventilador há horas tinha voltado a girar. A ânsia de ser um personagem de Saramago, e só dessa vez - felizmente, ficou para outro dia. Tentarei, quem sabe, a qualquer hora, adentrar “O Conto da Ilha Desconhecida”. Então eu não dependeria de nada, só de mim.

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