sábado, 30 de junho de 2012
Of a windmill going round
Desliguei as luzes, tranquei a porta, abri as janelas, quebrei a promessa - sentada no tapete da sala, com os pés no couro gelado do sofá, acendi um cigarro. Dei-me o direito de decretar a recaída completa do dia. E recriei a sequência de todas as minhas idéias, que andam com o costume de pesarem mais do que eu.
Um sorriso sempre vem aos cantos da boca quando lembramos dos sabores doces e das texturas certas. É a prova de que crescemos, envelhecemos, andamos junto ao tempo. É o não estagnar-se. É fluir com a água.
Às vezes falham as rédeas do percurso, nos pegamos em retrocessos e notas mais agudas, num espaço que costumava sempre nos proteger de tudo, e isso é o golpe da ironia. Bebi os goles de um Cabernet medíocre, e prontamente me joguei pela janela. Desci sete andares com o vento, pude ver as asas desalinhadas saindo pela roupa. Me vi caindo no asfalto do estacionamento. Me vi levantar, sem arranhões na alma. Me vi sair andando, entre os carros, à procura das pétalas da flor que simbolicamente destrinchei, em busca de voltar ao juízo anormal. Acordei já de manhã, na cama, refeita e feliz, porque como em todas as faltas de criatividade, aquilo não passou de um sonho.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
amo, porém existo
Na noite passada deixaram ao pé da minha porta uma caixa grande e pesada, cuja função seria guardar o tesouro mais perigoso de tantas histórias - a nossa. Tantas, quantas, muitas lembranças, os cheiros que infiltraram travesseiros, palavras que curaram, o peso no lençol, o ronco no ouvido - e a despedida. Acabei sonhando com o inevitável. Senti tudo, senti paz. Hoje, acordei coberta de saudades, de resignação, de recuperação, de reconhecimento, de saudade infinita - amo, porém existo.
Posfácio de Dezembro
Ter que suportar o mundo, ter que suportar os meses, ter que suportar os sabores e os trejeitos da memória, ter que suportar a razão, ter que suportar o sentimento. Tudo tão leve, mas que ainda assim aparenta pesar tanto para os outros, quase que obrigatoriamente. Amo e abrigo, guardo, esmago, gozo. Quando se fala de menos e se ouve demais, quando já sou personagem na imaginação do mundo, quando já sou estória nas frases do ócio mascarado das velhas gralhas de sempre. Os tetos de vidro que se quebram e se colam com cola de hipocrisia, e que sadicamente me apontam com o maior dedo da mão sem nem eu ter sofrido do mal. A projeção dos coitados, a projeção das carências, a projeção dos próprios problemas. Costumo dizer que se assim querem, que assim seja, mas enfaticamente contraponho o argumento lembrando que nem tudo é o que parece, e nem tudo é real pelo simples fato de assim você o imaginar. Virei quase umas dez temporadas de uma novela estrangeira que jamais escrevi, e acho que em retribuição eu apenas diria: prestem atenção na realidade de vocês, porque a minha vocês erraram.
domingo, 24 de junho de 2012
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso
conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso
agora
que mais
me poderei vencer?
- Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Coming, colors in the air, oh everywhere
Um ponto negro embutido no azul. Um objeto fora dos padrões, fora dos vínculos racionais e dentro do nada, fora das previsões; Como formar um mundo, se o homem é uma ilha?
Vejo mais do que qualquer coisa a sonolenta ânsia de se buscar como indivíduo, como sempre, ainda que em marcas de autoconhecimento ou coisa que o valha, em bordas vazias de misantropia - uma gana de sobrevivência egoísta, uma vaga expressão do que nem é real, uma espécie de autosuficiência primária, a cansativa busca de respostas para perguntas que no todo não encontramos, que quiçá ainda nem inventamos. Talvez a gente sempre finja não encontrar, ou não saibamos procurar, mas é preciso que nos orientem. É o erro dos confusos - reclamar do que não encontrou, mas antes disso não saber o que procura e por isso não reconhecer quando finalmente encontra o pote de ouro.
Somos movidos pela fantasia do inconsciente, do subconsciente, do fácil, do imediato. Sem sabermos, vivemos aquilo que nossa fantasia desenha, fazendo disso a nossa realidade, confundindo o real absoluto. Nós não pensamos, somos pensados. Penso onde não existo e existo onde não penso. O Real é aquilo que é impossível de dizer. Deparando-me com o indefinível, quem sabe eu reconheça a realidade.
Sabemos o que é verdadeiro para os outros mas não reconhecemos o que é real para nós. Buscava fora, mas estava dentro de mim. Aquilo tudo, e mais um resto. O desfazer-se das coisas - tirar o véu dos conceitos e das causas -, desmembrar-se.
terça-feira, 19 de junho de 2012
It's just a kiss away
Distancio-me do peso das decisões involuntárias, das dúvidas, da covardia, do orgulho, da vaidade, do fracasso, e de todo o resto que as pessoas contemplam e que inevitavelmente respingam em mim. É preciso ser coerente e condenar aquilo que me magoa, jamais me esquecendo do que é justo, do que me faz bem, do que me fazia mal. Rezo para que isso jamais se repita, mas caio na fraqueza de achar que as coisas mudaram. Mas há coisa que nunca muda. Coisas e pessoas. É a minha memória que é fraca às vezes, ou não, e tudo fica à beira do reverso, a um beijo de distância. Chego a pensar que é defeito, mas sempre vejo o bem antes de ponderar o mal de tudo. Aí caio nas armadilhas das mesmas coisas. A mais sádica das pontuações é a interrogação. Ela jamais finalizará as idéias. É a dúvida, de longe, o pior dos pecados. O "e se" já causou muitos problemas na humanidade. O silêncio é terapia, mas também pode ser fardo. Um olhar pode transbordar, mas também enfeitiçar. Aquilo que se torna paradoxal acaba por magoar sem que percebamos - o está tudo certo, mas também tudo errado, os perfeitos sinônimos nunca e sempre, a dicotomia do que fizemos e sentimos que nos faz dar voltas na mesma roda viva. A fuga que nos leva de volta ao início. O caminho que arrodeia a mesma vida terrena. Da missão que, de tão redonda e cíclica, inevitável e condenada, não dá para fugirmos. É questionar-se se aquilo de fato me maltrata ou me salva de tudo. O tempo é sempre o melhor amigo da vida, não obstante misterioso, e é nele que me sustento cegamente. É nele que deposito a fé daquilo que Deus quer que eu sobreviva. Aquilo que tem que ser, um dia virá. O que tem que vir, recebo com os braços abertos. O que não me pertence, aprendi que devo deixar sempre no meio do caminho. Os meus presentes, esses sim, carrego comigo.
segunda-feira, 18 de junho de 2012
echoes
Brindar a paz em todo o seu preenchimento até hoje visto, como quem era abstinente até então. Uma rede na varanda no final da tarde depois de combater uma guerra mundial é a metáfora das sensações, da necessidade do mergulho, da ânsia de metamorfose. O silêncio petrifica, e veja, as pessoas nunca se lembram disso e procrastinam as decisões e as chances como se elas não importassem. E desconfio que elas não importavam tanto assim, já que foram engavetadas na mesinha de cabeceira. A covardia é amarga, o orgulho é uma anomalia, a vaidade é um veneno e personificar-se em desgosto é constrangedor. Nada disso cabe na minha vida, porque meu sorriso percorre a distância entre as duas orelhas. Jogo as cinzas pela janela e penso que é agora ou nunca, e creio que seja essa a hora, e desconfio que sim, então pronto, vou!
"As boas obras começam de nós mesmos. Educaremos, educando-nos. Não faremos a renovação da paisagem de nossa vida, sem renovar-nos. Somos arquitetos de nossa própria estrada e seremos conhecidos pela influência que projetamos naqueles que nos cercam."
(Emmanuel. Livro: “Relicário de Luz”. Ed. FEB)
"As boas obras começam de nós mesmos. Educaremos, educando-nos. Não faremos a renovação da paisagem de nossa vida, sem renovar-nos. Somos arquitetos de nossa própria estrada e seremos conhecidos pela influência que projetamos naqueles que nos cercam."
(Emmanuel. Livro: “Relicário de Luz”. Ed. FEB)
segunda-feira, 11 de junho de 2012
quarta-feira, 6 de junho de 2012
gracias a la vida
[trecho de Poema dos Dons - Jorge Luís Borges]
Graças quero dar ao divino labirinto dos efeitos e das causas
pela diversidade das criaturas que formam este singular universo,
pela razão, que não cessará de sonhar com um plano do labirinto,
pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
pelo amor que nos deixa ver os outros como os vê a divindade,
por Schopenhauer que decifrou talvez o universo,
pelo último dia de Sócrates,
pelos rios secretos e imemoriais que convergem em mim,
pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
pelo costume, que nos repete e confirma, como um espelho,
pela manhã, que nos depara a ilusão de um princípio,
pela noite, sua treva e sua astronomia,
pelo valor e a felicidade dos outros,
pelo facto de que o poema é inesgotável e se confunde com a soma das criaturas e jamais chegará ao último verso e varia segundo os homens,
pelos minutos que precedem o sonho,
pelo sonho e a morte, esses dois tesouros ocultos,
pelos íntimos dons que não enumero,
pela música, misteriosa forma do tempo.
domingo, 3 de junho de 2012
Fairest of the Seasons
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